Filme do dia (249/2017) - "Ikiru - Viver", de Akira Kurosawa, 1952 - Kanji Watanabe (Takashi Shimura) vive, há trinta anos, uma "não-vida" como funcionário público. Burocrática e convencional, sua existência se limita a carimbar papeis de solicitações públicas, quase sempre negadas. A descoberta de uma doença terminal fará com que Watanabe busque recuperar o seu tempo de vida perdido.

Na essência, a obra busca responder à mais difícil e pontual questão do homem - qual o sentido da vida??? O personagem, ao se ver diante da morte, sai à procura de respostas que o auxiliem a aplacar sua angústia frente à finitude -o que faz a vida ter sentido, o que faz "valer a pena"? Para o personagem - e, portanto, para Kurosawa - o sentido da vida estava em fazer a diferença, deixar um legado positivo, agir em benefício alheio sem esperar algo em troca e despertar o afeto verdadeiro - nestas ações, por vezes grandes, por vezes pequenas, residiria a verdadeira felicidade, de onde surgiria um sentimento de gratitude diante da vida. O filme, ainda, é uma ode à vida e faz uma crítica severa a quem desperdiça a chance de aproveitá-la plenamente - não com prazeres fugazes, mas com a plenitude de quem entende a sua razão de ser. Também há uma crítica à apatia, à burocracia, ao egoísmo e à falta de empatia. Como é fácil perceber, é uma obra realmente densa naquilo que apresenta e discute, mas não é pesada de acompanhar, de assistir. Por outro lado, faz o espectador pensar, questionar. Incomoda? Talvez, mas é um incômodo necessário, obrigatório. A história pode ser dividida em três partes: como em um pequeno prólogo, temos, primeiro, uma apresentação da vida cinza e inútil de Watanabe antes dele saber de sua doença; em seguida, temos uma parte onde o personagem toma ciência de seu mal e, a partir disto, percebe o vazio de sua vida e a ausência de afeto real em suas relações, momento em que, em desespero, questiona o sentido da vida e como alcançar a felicidade real; por fim, numa terceira parte, ficamos sabendo, por terceiros, das ações de Watanabe que modificaram tudo ao seu redor, criaram um legado de sua passagem pela vida e possibilitaram o desenvolvimento de afetos verdadeiros para com ele. Algumas cenas são antológicas - a cena em que ele busca entender a origem da felicidade da jovem Toyo, estando, ele, imerso em vazio e sofrimento em primeiro plano e, em segundo plano, um grupo de rapazes e moças comemoram, festiva e barulhentamente, o aniversário de uma amiga; a cena das mulheres que chegam para prestar homenagens a Watanabe, expressando afeto real, em meio ao burocrático, frio e impessoal evento envolvendo sua família e seus colegas de trabalho; a cena do parque, onde Watanabe canta, emocionado e feliz, enquanto balança em um brinquedo infantil (essa é de arrepiar). Formalmente o filme é perfeito - afinal, estamos falando de Kurosawa, reconhecidamente um perfeccionista. A escolha de Takashi Shimura como protagonista foi essencial - tudo nele é dramático e significativo, desde sua linguagem corporal alquebrada, sua voz quase inaudível, sua expressão de horror em contraposição com a apatia (antes) e a paz (depois), tudo é milimetricamente construído para passar uma mensagem e muitas emoções. O filme é imperdível, obrigatório e essencial. É para ver "pra ontem"!!!!!!!
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