Filme do dia (175/2021) - "La Llorona", de Jayro Bustamante, 2019 - Durante a ditadura militar na Guatemala, Alma (Maria Mercedes Coroy) é assassinada junto com seus dois filhos por soldados do exército sob o comando do General Enrique. Trinta anos depois, um processo por genocídio das populações indígenas é aberto contra Enrique (Julio Diaz), mas ele é absolvido, oportunidade em que começa a ouvir, à noite, o som de uma mulher chorosa e a nova empregada Alma é admitida na casa.
Um filme de terror com fortíssima crítica social é o que essa obra é. Mais próximo do drama do que do terror, o filme se inclui no segundo gênero por conta dos elementos sobrenaturais da trama, mas o verdadeiro horror não tem nada de sobrenatural e está intimamente vinculado à condução da Guatemala durante a ditadura militar. Em 1954, A Guatemala sofreu um golpe de estado que instaurou uma ditadura militar no país. Ao longo de quase 40 anos, o governo militar debelou toda e qualquer manifestação ou insurgência popular à base de muita violência, dizimando vilas inteiras e assassinando friamente a população mais humilde sob a alegação de lutar contra uma guerrilha de orientação de esquerda. Durante esse período, cerca de 250 mil pessoas foram mortas e outras tantas desapareceram por conta da ação do governo guatemalteco. O regime democrático só retornou em 1993, quando houve uma anistia generalizada que alcançava os supostos guerrilheiros, mas, também, os militares acusados de toda a sorte de violações aos direitos humanos. É neste panorama que a narrativa se dá, retratando a violência imposta pelo exército à população indígena, dentre a qual a nossa personagem Alma. Na narrativa, após a absolvição do general Enrique, resta um sentimento de indignação na população guatemalteca, que cerca a casa do ex-ditador. É neste momento que chega, à residência, a nova empregada Alma e os acontecimentos sobrenaturais passam a acontecer na casa. A narrativa é linear, em um ritmo marcado. A atmosfera é de angústia muito mais do que de tensão ou terror. É um dos raros casos de filme de terror em que o espectador simpatiza com o espírito atormentado e vê, em suas atitudes, coerência (eu admito que torci muito por Alma). A figura do ex-general é asquerosa, é quase prazeroso qualquer horror a ele imposto. As falas da esposa do general são igualmente hediondas e me incomodei de, lá pelas tantas, terem passado um pano para esta personagem. A história é bem amarrada e tem um desenvolvimento sólido. As interpretações de Julio Diaz como Enrique e de Margarita Kenéfic são excelentes, mas é o olhar de Maria Mercedes Coroy que marca a obra, um olhar de buraco negro que a tudo suga para seu interior, um olhar intenso, de dor, de mágoa - é realmente impressionante. Eu gostei demais do filme, mas afirmo que o grande terror não está, aqui, na ficção e na lenda, mas na mais pura realidade. Vale a visita.
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