Filme do dia (80/2024) – “Lanternas Humanas”, de Chung Sun, 1982 – Numa China medieval, dois homens ricos e influentes rivalizam entre si. A proximidade de um célebre festival de lanternas acirra a rivalidade, a qual é instigada por um artesão, antigo desafeto de um dos contendentes.
Acredito que esta obra estaria mais confortável em um box sobre filmes “wuxia” – aquele gênero cinematográfico que alia artes marciais e lutas de espadas em um contexto medieval e fantasioso – do que em um box de terror, ainda que possua elementos deste último gênero. Realizado pela famosa produtora Shaw Brothers, o filme apresenta qualidade técnica bem superior à média deste tipo de produção, o que por si só já é louvável. A história discorre sobre dois homens poderosos que possuem uma grande rivalidade entre si, a qual é acirrada pela aproximação de um importante festival de lanternas. Um dos homens – o personagem Lung – contrata um artesão para fazer a mais excepcional lanterna já vista, desprezando o fato deste artesão ser um antigo desafeto seu, ferido em um combate de espadas. Ocorre que este artesão sonha com a vingança e vê, nesta ocasião, a chance perfeita para punir Lung. Assim, ele aproveita a oportunidade para instigar a rivalidade entre os dois homens, ao mesmo tempo em que prepara maravilhosas lanternas feitas de um material abominável. Como é fácil de concluir, os elementos do gênero terror encontram-se justamente nesta construção das lanternas, aproximando a obra do gênero “slasher” em decorrência de algumas cenas de assassinatos cruéis e perturbadoras. Alguns pontos que merecem destaque: fiquei incomodada por certa misoginia da obra, pois as vítimas dos sádicos assassinatos são só mulheres. Há mortes de personagens masculinos, mas essas são rápidas e genéricas, enquanto as mortes de personagens femininos são sempre detalhadas, minuciosas e, acima de tudo, sádicas, contando, inclusive, com cenas de violação sexual – a sensação que eu tive é que eram cenas para o deleite do público masculino, algo realmente perturbador. Outra questão a destacar: tirando as cenas das mortes e a ideia central de como as lanternas são construídas, o restante da obra concentra-se em cenas de lutas com espadas, lanças ou outros objetos do tipo, conforme se espera de um filme “wuxia”, e são surpreendentemente bem coreografadas. A narrativa é linear em ritmo intenso e crescente. A atmosfera é de tensão e consegue induzir algum medo e aversão no espectador. O roteiro é bem amarrado e tem uma evolução bastante satisfatória, ainda mais considerando o estilo da obra. Formalmente, o filme é bem curioso, pois mescla elementos bem diversificados. A fotografia me chamou a atenção pois, ao mesmo tempo em que temos as abomináveis aproximações rápidas (que eu sempre detestei) e cenas muito claras e limpas quando das lutas, temos, em alguns momentos, uma iluminação sofisticada e colorida que me remeteu ao excepcional “Suspiria” (1977), de Dario Argento. O desenho de produção mostrou-se caprichado e bem condizente com a história, muito embora o sangue feito de tinta vermelha, mais falso que nota de três reais. Gostei demais da caracterização do artesão enquanto “criatura” – conseguiram criar uma imagem realmente impactante, que desperta curiosidade e temos a um mesmo tempo. Quanto às interpretações, seguem o estilo de filme “wuxia” – tudo bem teatral e exagerado, fugindo completamente da naturalidade. O elenco traz Tony Liu como Lung Shu-Ai (um dos homens poderosos), Kuan Tai Chen como Tan Fu (o personagem oponente de Lung), Lien Lo como Chun-Fang (o artesão maldito), Ni Tien como esposa de Lung e Lam Sau-Kwan como irmã de Tan Fu. O filme conseguiu chamar a minha atenção e mantê-la por toda a duração da obra e eu sequer gosto de filmes “wuxia”. Não sei se decorrente de ter expectativas baixíssimas, mas a obra me surpreendeu positivamente. Recomendo para quem não tem medo de conhecer filmes diferentes daqueles de Hollywood. Não encontrei no Justwatch, acredito que só seja possível assistir à obra por torrent ou mídia física.
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