Filme do dia (99/2024) – “Mandacaru Vermelho”, de Nelson Pereira dos Santos, 1960 – Clara (Sônia Pereira) é uma órfã de uma família abastada no interior da Bahia. Criada pela tia e prometida em casamento a um vizinho, Clara se apaixona por Augusto (Nelson Pereira dos Santos), um vaqueiro da fazenda da tia, o qual lhe retribui o afeto. O casal enamorado foge para se casar em uma cidade distante, enquanto sua tia promete vingança e sai ao encalço dos dois no intuito de lavar a honra da família com sangue.
Filmado às pressas quando o diretor, prestes a filmar “Vidas Secas” (1963), encontrou uma caatinga verdejante após um inusitado período de chuvas, o filme é, nas palavras de Nelson Pereira dos Santos, um “nordestern”. A obra, cujo roteiro foi improvisado, apresenta forte influência do western estadunidense sem deixar de lado suas raízes nordestinas, fincadas na religiosidade, nas disputas familiares e na defesa à honra a qualquer custo. Na história, um casal apaixonado, formado por um trabalhador humilde e pela sobrinha órfã da proprietária de fazenda, foge para se casar em uma cidade da região. A tia, enfurecida, promete vingança, uma vez que vê, na conduta, uma grande ofensa à honra da família. Têm início uma perseguição implacável, que nenhum laço familiar seria capaz de impedir. Apesar de todo o improviso e de ter um roteiro simples, sem qualquer complexidade, o filme é uma pérola do cinema nacional, talvez, justamente, por sua narrativa singela e não rebuscada. A narrativa é linear, em ritmo ágil para a época (nem tanto para os dias de hoje). A atmosfera é de tensão, pois o casal de protagonistas sabe que sua atitude não terá o perdão da tia da moça e que o destino mais provável dos dois será morrer pelas mãos dos familiares de Clara. Se o filme fala do amor do casal de enamorados, fala também de todo um histórico de violência dos rincões do interior do Nordeste, onde qualquer disputa ou desavença é resolvido no facão e na bala. Dos quesitos técnicos, destaque para a fotografia P&B muito contrastada por conta de um sol inclemente que “estourava” todos os “claros” da cena. Há o predomínio de planos abertos e médios e toda uma movimentação que nos remete aos westerns. A trilha musical, por sua vez, é marcada pela música nordestina. Quanto ao elenco – improvisado como todo o restante da obra – é formado pela própria equipe técnica, com exceção das atrizes Sônia Pereira, que interpreta Clara, e Jurema Penna, que faz a tia – definitivamente, a melhor interpretação do filme. O papel do protagonista Augusto foi assumido pelo diretor Nelson Pereira dos Santos, que, se não teve um trabalho de interpretação excepcional, tampouco estragou o filme. O que mais me chamou a atenção foram as cenas de “luta” – é engraçado que, como espectadores, estamos acostumados a lutas coreografadas, muito estéticas e bem construídas, mas nada é menos realista que isto; a luta de pessoas comuns está bem mais próxima da briga de bar, composta de pernada, tabefe e pescoção, e é exatamente o que temos aqui, uma disputa desajeitada e nada bonita de se ver. As lutas de facão eram ainda mais estranhas e nada convincentes e era perceptível a pouca intimidade dos atores – aka equipe técnica – com o objeto. A simplicidade e improvisação do filme não afetaram minimamente minha opinião acerca da obra – ela é ótima e percebemos o total domínio da direção de Nelson Pereira dos Santos, ele era genial. Gostei bastante e recomendo. Para ser visto, só por mídia física ou torrent (e é por filmes como esse que eu coleciono DVDs...).
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