Filme do dia (163/2021) - "Meu Pai", de Florian Zeller, 2020 - Anne (Olivia Colman) está às voltas com seu pai Anthony (Anthony Hopkins) - ele é idoso e se nega a ter uma cuidadora. Entretanto, diante do evidente declínio de seu estado de saúde, Anne não vê outra alternativa que não tomar medidas drásticas.
Filme excepcional, com interpretações excepcionais. A obra discorre sobre a gradual perda de contato com a realidade do personagem Anthony. A demência senil do idoso é retratada do ponto de vista do próprio personagem, que, paulatinamente, confunde acontecimentos, pessoas, lugares, memórias. É um filme tocante e pungente pois sentimos, na pele, pelo olhar de Anthony, o que é ver a realidade se esfacelar aos poucos e tudo começar a perder o sentido. Anthony trava uma luta feroz para colocar em ordem as informações que lhe chegam confusas e desconexas e se agarra, como pode, aos fragmentos de sua vida que ainda reconhece - um apartamento, um relógio, um quadro, as filhas -, ainda que parte disto seja apenas memórias longínquas e descoladas do presente. Mais do que perder o outro, Anthony perde-se a si mesmo, esquecendo-se de quem é, de sua história, de seus afetos. É uma obra dolorida sobre a velhice, sobre saúde mental, sobre Alzheimer e, também, sobre o peso que recai sobre os que convivem com um familiar com demência senil - ainda que Anne ame profundamente seu pai, é extremamente desgastante conviver com o idoso, pois ele tem condutas difíceis de entender e lidar, acessos, acusações, revelações dolorosas, que arrasam com Anne. A narrativa é completamente não linear ante à opção de trabalhar sob o ponto de vista de Anthony - e como o personagem, muitas vezes não sabemos, ao certo, o que é real ou não. A atmosfera é melancólica ao extremo e bastante angustiante - pode ser impactante para quem teve ou tem parentes em condição semelhante. As interpretações são indescritivelmente viscerais - Olivia Colman está incrível como a exausta e triste Anne, que se vê dividida entre tocar sua própria vida e cuidar do pai senil. Mas é em Anthony Hopkins que a arte da interpretação ganha um momento antológico - se no início da obra a aparência do personagem faz crer que estamos diante de um idoso em ótimo estado de saúde, essa impressão vai desmoronando ante o trabalho fantástico de Hopkins e seu Anthony com olhar confuso, perdido, movimentos indecisos, revela sua verdadeira face. No elenco, ainda, Imogen Poots como Laura, Rufus Sewell como Paul e Olivia Williams como Catherine. O filme é extraordinário e sensível e dialoga profundamente com a obra "Amor", de Michael Haneke (2012). Eu recomendo demais (e já tenho favorito para o Oscar de Melhor Ator esse ano).
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