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  • hikafigueiredo

“Monster” (“Kaibutsu”), de Hirokazu Kore-eda, 2023

Filme do dia (163/2023) – “Monster” (“Kaibutsu”), de Hirokazu Kore-eda, 2023 – Saori (Sakura Ando), uma mão solteira atarefada, percebe uma súbita mudança de comportamento de seu filho Minato (Soya Kurokawa). Numa rápida investigação, Saori descobre que Minato têm sido vítima de perseguição por parte de seu professor Hori (Eita Nagayama). Mas talvez Hori tenha uma explicação para isso. Ou não.




 

O diretor Hirakazu Kore-eda há anos concentra sua atenção em obras que retratam relações familiares, muitas vezes complexas. Aqui o diretor, ainda que abarque as relações familiares, expande seu foco para outras formas de relações, que vão das profissionais às baseadas em diferentes tipos de afeto. O eixo principal do filme encontra-se na profunda dificuldade de comunicação entre as pessoas – o que já é complicado naturalmente, torna-se ainda mais conturbado em uma sociedade em que tem sua base na discrição, formalismo e gentileza. Ao longo da obra teremos inúmeras situações de conflito que se tornam ainda mais complexas simplesmente porque a cultura japonesa preza por esta discrição e, muitas vezes, ser sincero e direto demais pode ser interpretado como rude e atrevido. Assim, diante de palavras não ditas, diferentes conjunturas acabam sendo mal interpretadas e ganhando contornos completamente diferentes da realidade. O filme retrata as consequências dessa comunicação truncada, na qual suposições e interpretações equivocadas encontram terreno fértil e criam “monstros” difíceis de serem combatidos, até mesmo por serem irreais e inexistentes. Na história, Saori crê que seu filho Minato tem sofrido com a perseguição imotivada de seu professor Hori. Este, por sua vez, acredita que Minato é fonte de bullying contra outro aluno, o alegre Eri. Minato, por seu turno, têm dificuldade em lidar com Eri e os demais alunos da sala, enquanto Eri lida com leveza com o fato de ser alvo de chacota dos colegas e da incompreensão de seu pai, inconformado com o jeito levemente afeminado de Eri. Todos os conflitos são criados e acentuados pelo fato de não haver qualquer diálogo entre os envolvidos, com exceção de Minato e Eri – os meninos, rompendo com a tradição cultural, mostram-se muito próximos e conseguem não apenas conversar entre si, mas, também, externar seus sentimentos e suas dores. A obra, além de mostrar essa dificuldade de comunicação na sociedade japonesa, também evidencia o quanto ela é engessada e formal, o quanto os papeis desempenhados são fixados, quão as pessoas estão presas em estereótipos e a quase impossibilidade de se libertar de práticas e modos sociais milenares. Por fim, não poderia deixar de existir uma crítica ao machismo estrutural, no qual as pessoas, necessariamente, têm de cumprir papeis de gênero muito bem estipulados. Se a tônica do filme é de crítica ao formalismo japonês, formalmente o diretor transgride completamente o modelo mais tradicional de cinema. Kore-eda afasta a linearidade e abraça com fervor uma história em que os acontecimentos são vistos de pontos de vistas os mais diversos. A narrativa avança e retrocede algumas vezes trazendo novos elementos a cada “revisita” – é um quebra-cabeça muitíssimo bem construído e não há informação que não tenha alguma explicação diferente da que originalmente pareceu. O roteiro de Yuji Sakamoto, somado à edição do filme, é excepcional, tanto que foi agraciado com o prêmio de Melhor Roteiro em Cannes (2023). Além do roteiro, o filme também se destaca por incríveis interpretações, começando por Sakura Andô como a mão indignada que busca explicações da diretora da escola para o comportamento inaceitável do professor Hori; a atriz Yuko Tanaka também faz bonito como Fushimi, a diretora da escola, que escoa como água pelas mãos de Saori, desculpando-se pela suposta perseguição de Hori; Eita Nagayama interpreta o professor Hori, talvez o personagem mais marcado pela falta de comunicação e pelas más interpretações; os atores mirins Soya Kurokawa e Hirata Hiiragi, respectivamente Minato e Eri, mostram o seu talento e trazem humanidade aos seus personagens. A obra, simplesmente maravilhosa, fala muito da sociedade, em particular, da japonesa, tecendo uma crítica feroz à falta de diálogo e de maleabilidade. Eu gostei demais e recomendo!!!

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