“O Agente Secreto”, de Kleber Mendonça Filho, 2025
- hikafigueiredo
- há 2 dias
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Filme do dia (107/2025) – “O Agente Secreto”, de Kleber Mendonça Filho, 2025 – Marcelo (Wagner Moura) chega a Recife vindo de São Paulo. Carrega consigo uma tensão evidente. O motivo da viagem é escuso. Dirige-se para a casa de Dona Sebastiana (Tânia Maria), onde fica hospedado. Ele tem pressa.

Após quase três horas de fila, fui conferir o fenômeno mundial do último filme do diretor Kleber Mendonça Filho. Terminado o filme, reinou um silêncio breve na sala, subitamente rompido pelas palmas. Demorei horas para entender e digerir o que vi, um filme formalmente complexo e tematicamente ainda mais denso. Antes de qualquer coisa, o filme trata de memória e registro histórico, retomando um tema já explorado em sua última obra, o documentário “Retratos Fantasmas” (2023) (que eu estou, inclusive, devendo). Mas, as muitas camadas revelam muitos outros temas: a ditadura dos anos 60/70, que aqui aparece de uma forma mais sutil e menos panfletária, mas com tentáculos que atingem todos os cantos; a corrupção generalizada, possibilitada pelo próprio governo militar, mas, também, por agentes públicos indicados ou comissionados e, claro, pelo alto empresariado sudestino; a ruptura propositalmente promovida entre sudeste e nordeste, com o esvaziamento financeiro de iniciativas públicas originadas no segundo e transferência de profissionais para o primeiro e para a iniciativa privada; a manipulação de informação, tanto na mídia, quanto no próprio registro histórico; o apagamento da história, algo bem conhecido dos governos totalitários; dentre outros temas conexos. A obra é densa, complexa, precisa ser lida nas entrelinhas e nos detalhes, não é óbvia. Eu precisei digeri-la e pensar muito nela para entender sua dimensão. É um filme estranho e impactante. Formalmente ele é muito pouco convencional. Bebendo na fonte do thriller e dos filmes de espionagem, o filme traz uma carga dramática intensa em um formato fragmentado e bastante inusual. O trabalho de direção de Kleber Mendonça Filho é excepcional, é inegável, mas confesso que, num primeiro momento, achei sua maneira de contar toda a história bem esquisita (daí a necessidade de pensar muito a respeito antes de ousar escrever sobre a obra – e ainda estou trabalhando tudo na minha cabeça). A narrativa é completamente não linear, com saltos temporais e espaciais, mas tudo se encaixa perfeitamente. A atmosfera alia tensão crescente e uma tristeza profunda, uma melancolia atroz. E o que é o desenho de produção desse filme? Perfeita, sentimos que estamos voltando ao Brasil da década de 70, a caracterização da época é irreparável. A trilha sonora, adequadíssima, traz principalmente músicas regionais, mas não só. Quanto às interpretações, temos Wagner Moura monstruoso, com um personagem cheio de nuances e muita urgência e indignação. Tânia Mara é outra que está incrível como Sebastiana – a atriz carrega uma naturalidade que a gente jura que ela é a personagem. Maria Fernanda Cândido, Carlos Francisco, Udo Kier, Alice Carvalho, Gabriel Leone, Hermila Guedes, João Vitor Silva, Thomas Aquino, Roney Vilela, e mais uma porrada de atores e atrizes completam o elenco (enorme). O filme vem sendo aclamadíssimo pela crítica e foi agraciado com o Prêmio de Melhor Interpretação Masculina em Cannes (2025) para Wagner Moura e Melhor Direção para Kleber Mendonça Filho no mesmo festival, dentre outros prêmios em outros festivais de cinema pelo mundo afora. É a aposta brasileira no Oscar (mas não tem cara do prêmio não). Ontem eu estava em dúvida se havia gostado do filme, mas, depois de muito pensar e repensar, consegui formalizar, em mim, a grandiosidade da obra. É um filmão, mas nada convencional. Entra em cartaz nos cinemas no dia 06 de novembro – apenas vejam. Vigésimo segundo filme visto na 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.



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