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"O Ano Passado em Marienbad", de Alain Resnais, 1961

hikafigueiredo

Filme do dia (291/2021) - "O Ano Passado em Marienbad", de Alain Resnais, 1961 - Em um hotel, um hóspede tenta convencer uma mulher casada que ali se encontra hospedada a fugir com ele. Ele sustenta que, um ano antes, eles se encontraram naquele hotel (ou em outro, não faz diferença) e que tiveram um romance, mas ela alega não se lembrar dele ou da suposta relação.





Uma das mais célebres obras do movimento Nouvelle Vague, o filme é, no mínimo espetacular. Discorrendo acerca do flerte de um homem com uma mulher, a obra brinca com o real, o imaginário e a memória, permanecendo no limite entre os três. O espectador não sabe se o homem diz a verdade ao relatar sua experiência com aquela mulher um ano antes, oferecendo mínimos detalhes do encontro furtivo do casal, ou se tudo não passa de pura imaginação, um devaneio criativo daquele homem interessado em conquistar aquela mulher. Também não sabemos se a mulher realmente não se lembra do que ele descreve, ou se mente para se desvencilhar de seu assédio - ou, ainda, se nada realmente aconteceu e não há o que se recordar. Existe uma eterna dubiedade no ar, uma dúvida que não se dissipa, mas que se torna cada vez mais envolvente. A narrativa é completamente não-linear - memórias e fantasias se misturam, não sabemos onde começa uma, onde termina a outra. Lógico que um filme assim torna-se absolutamente sensorial - ele é um grande mergulho num sonho, em imagens oníricas, simbólicas, fantasiosas e criativas... e simplesmente delicioso de se experimentar. O ritmo é lento, muito lento, mas ele tem uma estranha cadência, um movimento oscilante, sinuoso, como uma onda do mar. A atmosfera é delirante, onírica, algo que toca fundo nossa percepção, aflorando as mais diversas sensações e emoções. Certamente há um estranhamento em relação ao filme, mas é um estranhamento agradável, uma sensação prazerosa de ver aquelas imagens tão distantes do real. Para mim, há um diálogo desta obra com os filmes surrealistas (e olha que eu nem gosto de cinema surrealista, mas aqui me deixou inebriada). Se o roteiro é assim ousado, a forma não fica nem um pouco atrás. Há uma liberdade muito grande em relação à montagem e à maneira como as imagens se sucedem. A fotografia P&B alterna cenas muito claras - como a cena do quarto branco, a mulher com seu penhoar também branco, a fotografia quase "estourada" - com outras muito escuras -as pessoas dançando no hotel, o jardim à noite - criando uma sensação estranha ao olhar, quase um choque. Também temos cenas muito contrastadas, como a cena em que a mulher sobe uma escadaria, que até me remeteu aos filmes expressionistas. Os planos vão de muito abertos a planos detalhes dos rostos dos protagonistas. Várias são as passagens em que tudo está estático, mas os personagens principais estão em movimento, realçando aquela sensação de sonho. A trilha sonora recorrente é a música de um órgão de tubo com uma sonoridade pesada, áspera, que, estranhamente, fazia com que eu me sentisse ansiosa e aflita. O elenco é composto por Delphine Seyrig, a mulher, sempre muito expressiva com seus olhos grandes e intrigantes; Giorgio Albertazzi como o homem insistente e envolvente; e Sacha Pitoeff como o marido, deslocado naquela narrativa. Todos estão ótimos e cumprem seus papeis. Eu admito que demorei um pouco para "entrar" no filme, mas, depois que ele me envolveu, eu fiquei extasiada por ele. A obra foi agraciada com o Leão de Ouro no Festival de Veneza, além de ter concorrido ao BAFTA de Melhor Filme e ao Oscar de Melhor Roteiro Original. Gente... é deslumbrante, mas nada, NADA, convencional. Quem quiser uma experiência marcante e diferente, veja!

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