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hikafigueiredo

"O Artista e a Modelo", de Fernando Trueba, 2012

Filme do dia (195/2020) - "O Artista e a Modelo", de Fernando Trueba, 2012 - O artista plástico octogenário Marc Crocs (Jean Rochefort) encontra-se aposentado há anos. Certo dia, chega à sua casa, a jovem Mercê (Aida Folch) fugida do governo franquista. A presença da moça renova a vontade do artista em criar e esculpir.





Well... o que direi desse filme... Acredito que essa obra possa ser vista de diversos ângulos. Uma leitura interessante a fazer acerca dela é sobre a relação do artista e sua obra, o processo de criação e como o artista pode ser "consumido" ante esse processo. O personagem Crocs reencontra um gosto no viver e criar à partir da chegada de sua modelo. Ao mesmo tempo em que um ânimo é despertado, certa frustração por não chegar ao resultado esperado surge, consumindo o artista. Por esse ponto de vista, o filme é interessante, tem um olhar rico acerca da arte e uma discussão válida acerca das motivações do artista e do processo de criação. Mas vi, também, um outro olhar - e deste não gostei nem um pouco. Há, ao longo da narrativa, uma quase glorificação da mulher - tem, inclusive, uma explanação acerca da mulher ser um sinal da existência de Deus (o deus cristão, que fique claro). Talvez o diretor tenha visto aí uma homenagem ao gênero feminino, mas eu discordo, profundamente, dessa ideia. Não acho que o filme exalte a mulher. Ele exalta o corpo feminino dentro do padrão socialmente aceito à partir de uma visão de mundo machista e patriarcal. O que é glorificado é o corpo jovem, magro e padronizado da jovem Mercê. Vejo, aqui, uma objetificação da mulher, porque o artista valoriza a forma da moça jovem, enquanto rejeita os "avanços" da companheira de muitos anos, já idosa. Onde isso é homenagem à mulher? A coisa vai além. O machismo é tão arraigado que não se enxerga o absurdo que é a retomada da vontade de criar do artista atrelada ao desejo sexual e ao reconhecimento de sua masculinidade - porque é isso aí, ele tem vontade de criar à partir de um desejo dele pela jovem, e o resultado disto no filme é bem patético, na minha opinião. Mas não é só isso. A companheira do artista, percebendo o interesse do esposo pela moça, ri e abstrai o assunto. É como se ela chancelasse o descaso do companheiro por si própria, como se o fato dela ser idosa justificasse o desinteresse do marido a ponto de compreender seu interesse inusitado pela modelo. Ah... e não me venham dizer que eu estou defendendo a monogamia compulsória. Não acho que ninguém tenha de ser monogâmico, mas acho bem escroto alguém desrespeitar um antigo companheiro, rejeitando-o, por conta de "carne nova no pedaço". Sob este aspecto, achei o filme degradante, um verdadeiro desserviço ao gênero feminino. Teria tido algum respeito se a modelo não fosse tão padrão determinado socialmente, mas nem isso. A figura da esposa idosa me causou piedade e detestei sentir isso. Bom... continuando a falar do filme, achei o roteiro truncado e previsível. Truncado porque não entendi o que se quis com a figura de Pierre, assim como não vi qualquer profundidade na questão política incluída - e daí o regime franquista, a guerra, a invasão da França pelo nazistas, o que isso tudo incidiu na história???? Nada! Já previsível porque todo aquele interesse do artista já mostrava onde ia desaguar - e eu continuo achando patética a solução. A narrativa segue em tempo linear e o ritmo é bastante lento - o que faz sentido na questão do processo de criação. O filme tem uma fotografia P&B suave, lindíssima, são inúmeras as cenas que parecessem pinturas. Quanto aos atores, Jean Rochefort se sai bem como o artista Marc, embora não tenha gostado do personagem. Na minha opinião, a personagem Mercê foi muito mal construída, nada do que ela faz tem algum sentido ao longo da história, ela é rasa - e não acho que tenha sido culpa da atriz Aida Folch, que visivelmente se esforçou para "encontrar" as motivações de Mercê, mas do roteirista e do diretor que, aparentemente, se contentaram em jogar na tela uma personagem jovem e bonita. E só. Por fim, a personagem Léa, interpretada por Cláudia Cardinale, também se mostrou sem espessura - ela se limita a incentivar o interesse do marido pela modelo sob a justificativa de incentivar a criatividade do marido, mesmo após o diálogo na cama (um quase spoiler). Já deve ter dado para perceber que eu não gostei do filme, achei a narrativa machista e me senti incomodada com muitas das entrelinhas. Talvez quem consiga se manter apenas na primeira leitura curta; eu não consegui.

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