Filme do dia (37/2023) – “O Bravo”, de Johnny Depp, 1997 – Raphael (Johnny Depp) é um índio cherokee que vive uma situação de penúria com sua família. Um dia, Raphael recebe uma proposta: participar de uma filmagem onde ele será torturado até a morte em troca de 50 mil dólares.

Dirigido pelo ator Johnny Depp, o filme discorre sobre o sacrifício que o protagonista está disposto a fazer em prol de sua família. Vivendo com sua esposa e seus dois filhos em uma situação de extrema vulnerabilidade, em um terreno onde existe um grande aterro sanitário, o protagonista Raphael, um índio cherokee envolvido em crimes e recém egresso da cadeia, recebe a indecorosa proposta de permitir ser torturado até a morte em troca de um valor suficiente para garantir uma vida melhor para sua família. Certo de que sua presença junto aos filhos é mais perniciosa do que positiva e que essa é a melhor chance que tem de tirar seus entes queridos da miséria, Raphael aceita a proposta, recebendo uma semana de prazo para se organizar para o evento (não é spoiler, a proposta acontece nos primeiros quinze ou vinte minutos de filme). A obra, então, acompanha a última semana de Raphael, período em que busca preparar sua família para sua ausência, sem, no entanto, revelar o virá a acontecer. Confesso que prefiro Johnny Depp como ator – sua direção do filme, ainda que não tenha sido ruim, revelou algumas fragilidades: o filme demora para engrenar, assim como demorou para eu conseguir estabelecer uma sintonia com o personagem. Detestei a falta de representatividade assumida ao termos Johnny Depp como o personagem principal, um índio cherokee, mas entendo que, nos idos de 1997, ainda não se falava em representatividade na mídia. Por outro lado, confesso que fiquei incomodada com um homem branco se passando por um representante de povo originário e isso dificultou bastante a minha conexão ao personagem. Também senti meio falso o início da obra – Depp busca uma circunspecção que me pareceu um tanto deslocada, ela teria sido mais convincente se desenvolvida ao longo da narrativa. Apesar do começo trôpego, a narrativa acaba por se estabelecer razoavelmente bem lá pelo meio do filme, momento em que o espectador consegue compreender o tamanho do vazio existencial e desespero do protagonista em ver seus filhos naquela situação de miséria absoluta e sem qualquer perspectiva. Uma virtude da obra é que ela não descamba para o melodrama barato, tão comum em dramas hollywoodianos, ainda que fique distante do volume dramático dos filmes europeus ou asiáticos. Outras virtudes do filme estão no desenho de produção caprichado, que gera uma boa dose de angústia no espectador; na trilha sonora de ninguém menos que Iggy Pop; e na presença – curtíssima, mas sempre impactante – de Marlon Brando como McCarthy, o homem que faz a proposta inimaginável para o protagonista. O personagem McCarthy, aliás, consegue ser uma das figuras mais asquerosas e cruéis que vi em um filme e Marlon Brando consegue, como poucos, representar essas criaturas nefandas. Johnny Depp está bastante bem como Raphael – ele ainda não tinha desenvolvido os maneirismos que hoje me incomodam em 99% de seus personagens, e não exagera na interpretação, oferecendo uma atuação contida e introspectiva. Olha... não vou dizer que é, noooossa, um filmaço, mas é razoável e ainda toca na questão da marginalização dos povos originários nos EUA e na falácia do “american dream” – só por isso, já acho que vale a pena. Dá para assistir sem grandes crises.
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