Filme do dia (239/2021) - "O Comboio do Medo", de William Friedkin, 1977 - Em um pequeno e paupérrimo vilarejo de um país da América do Sul, quatro foras-da-lei vivem sob falsas identidades. Exilados de seus países natais, os quatro homens almejam retornar aos seus lares, coisa impossível face ao valor das passagens de avião, única forma de sair daquele lugar. A esperança vem na forma de uma tarefa muito bem remunerada: transportar uma carga de nitroglicerina por uma região selvagem, por estradas perigosas e traiçoeiras.
Refilmagem do estupendo "O Salário do Medo " (1953), obra-prima do diretor Henri-Georges Clouzot, a quem esta obra é dedicada, o filme traz algumas não tão pequenas modificações em relação ao original, começando por um longo prólogo que explica um pouco da história dos quatro proscritos, especificamente o que os levou ao exílio. A entrada, no entanto, serve como mera curiosidade, pois pouco influi no restante da narrativa - ao contrário, diminuiu o tempo dedicado à travessia que é, efetivamente, o ponto alto da história. O filme encontra-se no limite entre os gêneros aventura, drama e suspense e lastreia-se na profunda tensão em que mergulha o público - como o original, é um filme em que, a cada minuto, o espectador suspende a respiração e espera pelo pior, e, tenha certeza, isso é o grande barato da obra. Nessa refilmagem, também temos a mudança de alguns elementos narrativos - sai as menções à Segunda Guerra do original, entram alusões ao conflito árabes-israelenses, ao sionismo, ao crime organizado nos EUA, tudo para ressituar a narrativa na década de 1970. Outra modificação está em certa "diluição" da importância dos personagens: se no original o foco estava, desde o início, no personagem Mario, o equivalente ao personagem Dominguez nesta obra, aqui o protagonismo só se manifesta do meio para o fim da narrativa, o que, para mim, foi um equívoco considerável, pois diminuiu muito o envolvimento do público com este personagem. O tempo é linear e o ritmo moderado, adequado a uma história onde o suspense impera. A atmosfera é de tensão em níveis pré-enfarto - prepare-se para roer as unhas até a raiz. Tecnicamente, é um filme muito bem feito, especialmente se considerarmos a complexidade que a produção impõe em um tempo em que não existia CGI e as coisas eram produzidas no mundo real. A fotografia - que no original era P&B - ganha cores, com prevalência dos tons frios, em especial na parte final da narrativa. No geral, os planos são bem convencionais, com exceção das cenas mais tensas, onde encontramos posicionamentos de câmera e planos mais criativos e elaborados, como na cena da travessia da ponte suspensa. No elenco, Roy Scheider ocupa o lugar que antes foi de Yves Montand, no papel de Dominguez - ainda que ele esteja muito bem, a opção narrativa de só revelar seu protagonismo do meio para o fim prejudicou um bocado o desenvolvimento do personagem; Bruno Cremer interpreta o personagem Victor Manzon, Amidou interpreta Kassem e Francisco Rabal, o personagem Nilo. Destaque profundo para as cenas da travessia da ponte suspensa e da árvore caída; imperdoável a subtração da cena do pântano do original, talvez uma das melhores cenas do filme. Olha... a obra é excelente... mas não é melhor que a original, que, sinceridade, me fez quase morrer em apneia. Ainda que valha a pena, eu preferiria ver primeiro "O Salário do Medo" para não perder a surpresa...
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