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  • hikafigueiredo

“O Criado”, de Joseph Losey, 1963

Filme do dia (33/2024) – “O Criado”, de Joseph Losey, 1963 – Um rico herdeiro inglês, Tony (James Fox), retorna à Londres após um tempo trabalhando na África. Ele aluga uma casa e contrata um criado – Hugo Barrett (Dirk Bogarde). A relação entre Tony e Barrett, no entanto, rapidamente se modifica, à medida em que Tony passa a, paulatinamente, depender do criado.




 

Baseado na novela homônima de Robin Maugham, o filme retrata, num tom de crítica, uma subversão do pouco flexível sistema de classes inglês, pois a inversão de papeis entre o senhor e seu criado é sempre mostrado como algo negativo e perigoso. É perceptível que a obra traz um olhar no mínimo tradicionalista acerca dos papeis sociais desempenhados pelos personagens, muito embora não poupe críticas a nenhum dos agentes: enquanto Barrett é mostrado como manipulador, falso e sem caráter, Tony é retratado como um homem fraco, sem atitude e praticamente disfuncional para tarefas diárias básicas. Curiosamente, existe uma verdadeira inversão destas condutas quanto às personagens femininas – se Tony não demonstra atitude, sua noiva Susan mostra-se profundamente incisiva; se Barrett mostra-se forte e decidido, sua parceira Vera é evidentemente influenciável, sendo claramente manipulada por ele. A narrativa acompanha a completa derrocada de Tony proporcionada, em grande parte, pelo criado Barrett – algo que fica implícito que sempre foi a intenção do empregado. A narrativa é linear, em ritmo marcado e crescente. A atmosfera inicial é de soberba – Tony mostra-se arrogante e “inflado”, ainda que, desde cedo, demonstre inaptidão para conduzir sua própria vida, muita preguiça e bastante indecisão; nesse início, o espectador já intui que Barrett não é quem parece ser, pois tem atitudes diferentes na frente e por trás do patrão. Ao longo da narrativa, essa atmosfera muda e vai ganhando ares de pesadelo e decadência, na medida em que Barrett ganha força e Tony vai, gradativamente, “minguando”. Há um momento de ruptura definitiva, mas revelá-lo seria um spoiler monstro, motivo pelo qual paro por aqui. Formalmente, o filme é arrojado, não obstante não subverta demais a linguagem cinematográfica convencional. Destaque para a fotografia P&B que foge do óbvio, apostando em posições de câmera inusitadas e sofisticadas e movimentos de câmera incomuns e quase constantes – a câmera praticamente não para e mesmo planos simples acabam levando a aproximações ou afastamentos através de travellings diversos. Aproveita-se, ainda, o máximo da profundidade de campo – raras são as cenas em que alguma coisa está desfocada. A trilha musical, por sua vez, passa de uma tradicional música dos anos 50 (tipo “grande orquestra”) para algo mais atonal, ligeiramente incômodo aos ouvidos e que certamente gera estranhamento. Gostei bastante das modificações do desenho de produção entre os tempos “sem Barrett” e “com Barrett” – Tony, sozinho, é incapaz de gerenciar sua vida minimamente, de forma que seu entorno é desorganizado e sujo. A presença de Barrett traz ordem e limpeza à casa de Tony -e, junto, um grande sentido de necessidade e urgência que levam a proeminência do criado em relação ao patrão. Quanto às interpretações, não tem nem o que falar: Dirk Bogarde foi um ator excepcional, de talento indiscutível, mas que, curiosamente, jamais foi conhecido do grande público, ficando restrito aos cinéfilos de plantão. Eu sou suspeita, pois sou apaixonada pelo ator desde que assisti a “Os Deuses Malditos” (1969) e “Morte em Veneza” (1971), seguindo-o pelos filmes desde então. Como era de se esperar, Dirk Bogarde está fantástico como Hugo Barrett, sendo um personagem controverso e perverso. James Fox não fica atrás, entregando um Tony frágil, numa interpretação inspirada. Por ambas as interpretações, Bogarde e Fox foram agraciados com o Prêmio BAFTA (1964), nas categorias Melhor Ator e Melhor Ator Estreante, respectivamente. No elenco também temos uma incrível Sarah Miles como Vera e Wendy Craig como Susan (papel enjoadíssimo, na minha opinião). O filme é excelente, um estudo sobre as relações sociais entre patrão e empregado. Gostei MUITO e recomendo.

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