Filme do dia (274/2021) - "O Diabo, a Carne e o Mundo", de Ranald MacDougall, 1959 - Após ficar dias preso em uma mina, o mineiro Ralph Burton (Harry Belafonte) consegue achar uma saída, apenas para descobrir que a humanidade foi dizimada por um holocausto nuclear. Ele passa a vagar pelas cidades até chegar em Nova York, onde ele descobrirá que não foi o único sobrevivente.
Durante a Guerra Fria, o maior pesadelo do norte-americano era que acontecesse uma guerra nuclear e, por isso, vemos a profusão de filmes sobre esse tema nas décadas de 50 e 60. Nesta obra, discute-se não a possibilidade de ocorrer um conflito de proporções titânicas, mas, o que aconteceria no depois que isso acontecesse. O roteirista e diretor MacDougall escolhe um viés curioso para abordar o recomeço da humanidade: ainda nos primórdios da luta pelos direitos civis da população negra norte-americana, ele opta por abordar a questão racial e põe em xeque o racismo incrustrado naquela sociedade. Então... ainda que eu veja com certa simpatia a evidente crítica que ele faz ao preconceito contra os negros, não deixa de ser a visão do branco sobre o racismo, logo, equívoco é o que não falta na narrativa. Acho que o que mais me incomodou foi a visão do autor branco acerca do personagem negro e de como este enfrenta a questão do racismo. Ralph Burton é a integridade em forma de gente - ele é gentil, educado, trabalhador, diligente, e por aí vai. Mas, ele jamais abandona uma postura conformista e mansa diante da personagem branca Sarah, como se ele arrastasse consigo as mazelas de uma realidade já ultrapassada. O personagem Ralph merecia uma postura mais assertiva, uma certa arrogância - mas, é claro que o público dos anos 50 e 60 não veria com bons olhos um negro orgulhoso e convicto, né? Então, pelos olhos brancos, o negro virtuoso seria aquele que "sabe o seu lugar e não ousa cruzar limites". Quem vai acabar guiando Ralph para uma realidade mais harmônica entre indivíduos de cores diferentes, sem racismo, é a branca Sarah... e assim caímos no maior clichê dos filmes sobre racismo feito por brancos, o mito do branco salvador... ah, gente, não rola. Outra coisa que me incomodou foi o distanciamento físico constante de Ralph e Sarah - ué, o diretor não queria ousar com sua temática? Por quê então não ousou mesmo e colocou uma maior intimidade entre os personagens??? Aaaaaah, ousadia só até a página dois, né? O desfecho, por sua vez, ainda que otimista, me pareceu frágil, pueril e inverossímil (sem spoilers). A narrativa é linear, ainda que conte com grandes elipses de tempo. O ritmo é de lento a moderado. Visualmente é um filme impactante - as cenas em plongée e contra-plongée de Ralph chegando a Nova York, as cenas dos carros parados nas pontes, tudo é muito forte e tristemente belo. A fotografia P&B é bem trabalhada, com nuances de tons e contraste marcante. O diretor aproveita os planos bem abertos para mostrar a cidade vazia, trazendo uma atmosfera melancólica e angustiante para aquela Nova York esvaziada de vida. O elenco limita-se a Harry Belafonte como o "virtuoso" Ralph - ele está muito bem no papel, convencendo como o homem negro que após anos de submissão continua a agir dentro do quadrado que lhe foi imposto; Inger Stevens interpreta Sarah - razoável no papel, achei que faltou um pouco de "sangue" à atriz, ela me pareceu um pouco fria para a personagem; e Mel Ferrer interpreta Benson Thacker - na minha opinião, mais bonito do que bom ator, seu personagem não desperta simpatia por nenhum ângulo e tampouco sua interpretação me convenceu. As boas intenções do diretor não impediram que o filme fosse bem equivocado, o que me desanima um tanto a recomendá-lo. Por outro lado, a atmosfera de solidão e a bela fotografia são pontos positivos na obra. Acho que, na temática "pós-holocausto atômico", gostei mais de "Pânico no Ano Zero" (1962) que foi por outro viés. Esse aqui vale mais como curiosidade de como não abordar um assunto que não é de seu domínio...
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