Filme do dia (274/2020) - "O Enforcamento", de Nagisa Oshima, 1968 - Um prisioneiro coreano condenado à morte sobrevive ao seu enforcamento. Os funcionários do presídio, o promotor e o médico não sabem bem como proceder quando verificam que o prisioneiro perdeu a memória e não tem a mínima consciência de quem é e qual foi seu crime.

O filme, profundamente filosófico, traz uma séria discussão acerca da morte institucionalizada, da culpa e da consciência individual e coletiva. Questiona-se como a morte de alguém pode ser moralmente aceita quando estabelecida por lei, seja através de uma execução legal, seja como consequência de um conflito armado, ao mesmo tempo em que é condenada quando praticada por um indivíduo. O diretor faz uma crítica à pena de morte, evidenciando que ela nada mais é que um assassinato cometido pelo estado com o aval da lei. Há, ainda, uma discussão sobre a culpa e a consciência, pois nenhum dos envolvidos com a execução assume a responsabilidade pela morte ocorrida pelas mãos do estado - nem funcionários do presídio, nem promotor ou executores sentem-se culpados pela morte de um prisioneiro e todos, em um momento ou outro, assumem satisfação com suas tarefas profissionais, dentre as quais as execuções de condenados à morte. O único ali que assume alguma culpa é justamente o prisioneiro, também o único que faz um exercício de empatia ao comparar sua irmã amada com suas vítimas fatais. O filme também traz uma crítica à xenofobia, mais especificamente ao tratamento dado aos imigrantes coreanos, vistos, no Japão, como indivíduos de segunda classe e vítimas constantes de toda a sorte de preconceitos e exclusões sociais. A obra abre muitas frentes de discussão e tem uma profundidade bergmaniana. A narrativa é lenta, densa e filosófica e a atmosfera é opressiva, causando certa agonia no espectador. Formalmente é um filme sofisticado, com vários planos com significados implícitos, metafóricos e subliminares. A fotografia é P&B sem grandes contrastes, que, aliada à direção de arte quase minimalista, causa uma incômoda sensação de assepsia e impessoalidade ao ambiente. O personagem que sofre a execução é milimetricamente construído para expor as contradições do sistema, a responsabilidade do estado e a questão da culpa individual, é um personagem profundo e melancólico. A personagem da irmã do executado traz um toque de realismo fantástico à história e colabora com a lenta e paulatina construção do criminoso. É um filme com muitos diálogos e outros tantos monólogos, sendo necessário predisposição do espectador para acompanhar o raciocínio e toda a filosofia que vem a reboque. Apesar de gostar muito, achei a obra um pouco longa, e me senti exausta ao término dela. Mas é um filme incrível, vale muito à pena. Recomendadíssimo.
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