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  • hikafigueiredo

"O Homem que Deixou seu Testamento no Filme", de Nagisa Oshima, 1970

Filme do dia (96/2022) - "O Homem que Deixou seu Testamento no Filme", de Nagisa Oshima, 1970 - Um grupo de jovens com ideais revolucionários usa o cinema como registro de sua luta. Motoki (Kazuo Goto), componente desse grupo, vê-se obcecado por um suposto homem que furtou sua câmera e depois se suicidou, deixando imagens registradas no filme, muito embora seus colegas neguem tal acontecimento. Na companhia de Yasuko (Emiko Iwasaki), Motoki passa a recriar os passos do suicida, tentando registrar as mesmas imagens que o morto.





Com algo de experimental e muito de filosófico, o filme vai trazer infinitos temas de discussão, muitos deles recorrentes nas obras do diretor. Temos, como pano de fundo, todo a questão política da juventude universitária dos anos 60 e 70, que, fosse na Europa, na América Latina ou no Japão, seguia os ideais revolucionários de esquerda e se colocava como o motor de grandes mudanças na sociedade, na política e, claro, na cultura. Na obra, Motoki e seus colegas formam um grupo que busca registrar as manifestações estudantis através de uma simples câmera 16mm (uma Bolex, que funcionava à corda e que muito utilizei nos idos anos de estudante de cinema rs). Evidente que, junto com tais registros, acompanham fragmentos de discussões dos jovens acerca da cultura e da arte e de seu papel na formação de uma nova sociedade, além da responsabilidade do artista frente à realidade (o artista se colocando como reprodutor do discurso do establishment ou, ao contrário, como um propulsor de mudanças). Em meio a esse panorama, nos deparamos com nosso protagonista afirmando ter perseguido um homem que furtou a câmera, fez registros com ela e depois se suicidou. A câmera por isso, teria sido confiscada pela polícia. Seus colegas negam o acontecimento e afirmam que a câmera foi confiscada por policiais durante uma manifestação e que Motoki teria sido espancado ao tentar reavê-la. A partir desse momento, Motoki fica obcecado com o tal homem e aquilo que ele teria registrado, criticando, inclusive, o conteúdo do filme e a capacidade artística do suicida. Temos aqui uma discussão filosófica acerca do artista, do eu versus o outro, do que seria a arte de vanguarda, de qual o papel do artista, dentre outras infinitas possibilidades de debate - eu acho até que a obra é uma provocação à discussão e, na minha opinião, foi gestada justamente para abrir caminhos para novas ideias. Algumas questões do filme me incomodaram um pouco - as diversas e crescentes violências que Yasuko sofre, culminando na cena do carro, me pareceram um pouco exageradas, muito embora entenda aquilo como a inércia do artista, que não se coloca em defesa de seus ideais e tudo aceita, com um desfecho óbvio. Algo que também me "pegou" um pouco foi a previsibilidade deste desfecho... não havia nem meia hora de filme e eu já sabia qual seria a cena final (considerando a genialidade de Oshima, tenho certeza que isso foi proposital, isto é, o filme foi feito para possibilitar leituras e discussões, não faz mal ter um final previsível). Formalmente, o filme é bem ousado, começando pela câmera na mão, ultra tremida, referente à corrida do suposto ladrão. Ao longo de seus 94 minutos, temos posicionamentos de câmera os mais variados e audaciosos - plongées e contraplongées às pencas, planos muito próximos, planos subjetivos, posições diversas e até estranhas, Oshima não economizou na criatividade. O ritmo também é bem variado: começa muito ágil, diminui, volta a acelerar, é bem curioso. Notei que a trilha musical pontua a obra apenas no começo e bem no final, o resto do tempo não temos notícia de música. O elenco é visivelmente bem jovem e inexperiente - os colegas de Motoki parecem intérpretes amadores. Quem se sai melhor mesmo é Kazuo Goto como Motiki e Emiko Iwasaki como Yasuko (na minha opinião, inclusive ela se sai ainda melhor, pois tem cenas bem mais complicadas que o protagonista). A obra não é muito fácil não, exige certa disposição do espectador em embarcar na viagem filosófica de Oshima. Eu gostei, mas confesso que prefiro vários outros filmes dele (eu meio que me senti em uma aula da faculdade de cinema...).

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