Filme do dia (70/2020) - "O Jovem Karl Marx", de Raoul Peck, 2017 - Alemanha, 1844. O jovem escritor Karl Marx (August Diehl) e sua esposa Jenny (Vicky Krieps) se auto-exilam em Paris. No local, Marx continuará escrevendo para jornais com orientação socialista e conhecerá aquele que será seu amigo e colaborador, Friedrich Engels (Stefan Konarske).
O filme estabelece sua narrativa nos anos que antecederam a produção do Manifesto Comunista, focando na amizade entre Marx e Engels e no contato de ambos com outros pensadores e autores de orientação socialista como Proudhom. Por um lado, a obra carrega no romantismo e na liberdade poética ao criar e mudar fatos históricos para que a narrativa se mostrasse mais poética, simpática ou talvez apenas mais interessante para o público geral - um exemplo é a cena em que Engels e Mary Burns se conhecem, evidentemente uma concessão do diretor à sua imaginação. No geral, o filme acompanha a real trajetória dos dois autores, mas tudo é mostrado de forma muito, muito romantizada. Por outro lado, o filme tem o mérito de mostrar que o conhecimento é sempre construído sobre algum conhecimento anterior. Marx e Engels não tiraram suas teorias e estudos do nada, eles foram respostas a produções intelectuais anteriores após muito estudo e muita pesquisa (isso fica muito claro nos debates entre Marx e Proudhom). Outro mérito do filme é despertar uma sincera vontade de conhecer melhor as obras dos autores mencionados (admito que tudo que eu sei está baseado em leituras esparsas de outros autores que escreveram sobre a teoria marxista, como os autores da Escola de Frankfurt, ou seja, jamais li a fonte de tudo, uma vergonha). Interessante a importância dada às personagens femininas - Jenny e Mary, companheiras de Marx e Engels, respectivamente, são mostradas como bastante atuantes nos trabalhos dos autores em questão, algo raramente mostrado no cinema - adorei. Formalmente, o filme é bastante tradicional, em tempo linear e cronológico, e tecnicamente é todo perfeitinho. Gostei da direção de arte caprichada que mostrou desde os salões refinados de onde Engels, advindo da alta burguesia, surgiu até os bairros proletários onde a miséria imperava. August Diehl está bem como o jovem Marx, mas talvez ele tenha pesado um pouco a mão na postura um tanto arrogante, energética, do personagem real - não sei se o verdadeiro Marx era assim na sua juventude, mas me pareceu uma opção do diretor para mostrar quão renovador, o quão revolucionário ele era. Stefan Konarske, por sua vez, interpretou um Engels equilibrando-se entre a relação conturbada com seu pai burguês e sua opção pelo lado do proletariado - acho que ele se saiu bem, talvez um pouco "animado" demais para quem vivia no fogo cruzado, mas acredito que também tenha sido opção do diretor para deixar a obra mais "leve" e palatável. Gostei bastante do trabalho de Vicky Krieps como Jenny e Hannah Steele como Mary, quase diametralmente opostas, mas ambas importantes para a narrativa. Destaque para o trabalho, sempre ótimo, de Olivier Gourmet como Proudhom. Olha... a obra é claramente romanceada, mas, ainda assim, tem méritos e é agradável de ver, além de despertar a vontade de ler mais a respeito. Boa pedida.
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