“O Oitavo Dia”, de Jaco Van Dormael, 1996
- hikafigueiredo
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Filme do dia (69/2025) – “O Oitavo Dia”, de Jaco Van Dormael, 1996 – Georges (Pascal Duquenne) é um jovem com Síndrome de Down que foge da instituição que o acolhe com o objetivo de reencontrar a mãe. Acidentalmente, seu caminho cruza com o de Harry (Daniel Auteuil), um executivo de marketing de uma grande empresa que se encontra sobrecarregado por seu trabalho e cujas filhas pequenas não querem encontrá-lo. Apesar das diferenças, nasce uma bela amizade entre os dois.

É com sensibilidade e sem cair em melodrama que o diretor Dormael narra a história de uma amizade improvável, mas extremamente enriquecedora, especialmente para aquele mais fragilizado, no caso, o personagem Harry. Na história, Harry, um executivo sobrecarregado e à beira de um estresse, encontra, acidentalmente, no meio de uma estrada, o jovem Georges, o qual tem um comprometimento cognitivo por conta da Síndrome de Down. Sem ter como abandonar Georges no meio do nada, Harry acaba acolhendo-o em sua casa e se sente na obrigação de levá-lo até sua família. Durante o tempo de convivência, Georges acaba sensibilizando o novo amigo, o que trará consequências na vida de Harry. A obra discorre sobre a importância de se aproveitar a vida, sopesando o valor das coisas. Harry vive em função de seu trabalho, o qual destruiu seu casamento, afastou-o da família e o impede de conviver com as filhas. Ele constantemente é “sugado” pelos afazeres profissionais e vive uma rotina excruciante de acordar-trabalhar-dormir. Caracterizado por este perfil, Harry depara-se com Georges, o qual, por sua própria condição, tem o perfil oposto ao de Harry – ele abraça a vida, emociona-se por pequenas coisas e tem necessidade de demonstrar seus sentimentos para os demais. Carinhoso e obstinado, Georges sente falta do afeto de sua mãe e facilmente se apega às pessoas, de forma que rapidamente se afeiçoa a Harry. Em sua simplicidade, Georges mostra ao amigo o que realmente importa na vida – a liberdade, a alegria de estar vivo, o prazer de conviver com aqueles com quem se troca afeto, o amor, a busca e entrega aos seus sonhos. Paulatinamente, Harry muda seus objetivos e sua atitude, deixando de lado irritação, raiva, rabugice, e passa a viver a vida com mais leveza e alegria, sem tantas preocupações e sem hipervalorizar o trabalho. Gostei bastante de como os dois personagens e suas vidas são caracterizados: de um lado, a repetição de planos e cenas que indicam a rotina cinza, insossa e desgastante de Harry; de outro, as “visões” de Georges, que denotam a entrega dele a seus sonhos e desejos. A comparação entre o “peso” de Harry e a leveza de Georges dão a tônica da obra. Achei adorável a forma como o personagem Georges se expõe, sem esconder seus medos, dores e alegrias – um aprendizado para o engessado Harry. A narrativa é linear, com várias inserções das “visões” de Georges, em ritmo pausado a moderado. A atmosfera alterna-se entre tensa e dramática quando focada em Harry e leve e divertida, quando em Georges, com algumas cenas mais dramáticas nos momentos em que Georges “surta”. Destaque para a cena em que Georges encontra sua irmã – doloroso; para a cena em que Harry encontra Julie – controversa de diversas formas; e para a cena do parque de diversões – catártica. Quanto às interpretações, vale salientar os belíssimos trabalhos de Daniel Auteuil e Pascal Duquenne como, respectivamente Harry e Georges, e que lhes levaram a serem contemplados pelo Prêmio de Interpretação Masculina, em Cannes (1996). No elenco, ainda, Miou-Miou como Julie e Laszlo Harmati como Luis Mariano. É um filme muito bonito e tocante, ainda que não seja essencialmente sensorial. Eu gostei e recomendo. Nâo se encontra em streaming, só em torrent ou mídia física.
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