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hikafigueiredo

“O Peso da Dor” (“Mass”), de Fran Kranz, 2021

Filme do dia (111/2023) – “O Peso da Dor” (“Mass”), de Fran Kranz, 2021 – Gail (Martha Plimpton) e Jay (Jason Isaacs) e Linda (Ann Dowd) e Richard (Reed Birney) encontram-se para uma conversa terapêutica, anos depois que o filho de um dos casais comete um atentado na escola em que frequentava matando dez colegas, dentre os quais o filho do outro casal.





Visceral e tremendamente perturbador, o filme, estreia de Fran Kranz na direção, é uma longa e dolorosa exposição das feridas emocionais de dois casais ligados por um terrível incidente – o atentado promovido por um de seus filhos à escola em que estudava, matando um dos filhos do outro casal. Ao longo de seus 111 minutos, a obra disseca as mais profundas dores psicológicas que assombram aqueles quatro indivíduos e que vão da triste saudade à culpa excruciante. A discussão – muito bem conduzida, por sinal, pelo diretor – inicia-se como um diálogo truncado e desconfortável, evolui para um interrogatório marcado por acusações e termina com o cansaço de quem enfrenta um longo embate. Os dois casais, de maneira diversa, expurgam todas as suas chagas internas – de um lado, há um ódio avassalador, a necessidade intrínseca de quem tem uma dor da magnitude da perda de um filho por uma morte violenta e evitável de culpabilizar alguém, de apontar dedos e de acusar, impondo sua dor ao outro na mesma medida ou, se possível, em uma dimensão ainda maior; do outro lado, a culpa de quem compreende a dor alheia e se questiona se ela poderia ter sido evitada por alguma atitude anterior, se o que aconteceu adveio de alguma falha pessoal, se havia sinais que poderiam ser detectados e, assim, evitar o pior. Há algo de catártico naquela discussão, pois as explosões emocionais que os personagens vivenciam, levam-nos à exaustão e exaurem, em parte, seu sofrimento. Achei interessante como o diretor conseguiu configurar cada casal – tanto os comportamentos, quanto seu posicionamento argumentativo são bem diferentes entre si: o casal cujo filho foi vítima é bem ofensivo, toma a frente e é questionador; o casal cujo filho foi o agente apenas defende-se, sem, no entanto, tentar justificar as atitudes do jovem, como se precisasse acatar qualquer acusação como forma de autopunição. É uma obra realmente dolorida na forma como expõe a aflição alheia, seja como fúria, seja como remorso. A narrativa é linear e em tempo real, em ritmo lento, mas com grande intensidade emocional. A atmosfera é muito pesada, torturante e profundamente claustrofóbica, lembrando que toda a ação se dá no interior de uma sala, no subsolo de uma pequena igreja. O filme traça um diálogo quase óbvio com os filmes “Precisamos Falar Sobre Kevin” (2011) e “O Deus da Carnificina” (2011). O jovem diretor fez um trabalho excepcional na direção de atores e até se saiu bastante bem na forma como filmou a discussão, com triangulações complexas, mas umas duas vezes percebi sutis pulos de eixo (coisa inexistente, por exemplo, nos filmes de Tarantino, mestre neste tipo de cena). O desenho de produção foi acertadamente muito sóbrio – o ambiente é limpo, exibe poucos detalhes e as cores são discretas. Praticamente não há trilha musical – na realidade, nem percebi a presença dela, o que é uma glória num filme norte-americano, cinema que adora usar a música para manipular o público. As interpretações são o ponto alto do filme. Cada intérprete traz nuances próprias de seus personagens, não há uma pasteurização das atuações, como se fosse tudo uma única dor – não, temos a indignação da personagem Gail, uma raiva mais “racional” em Jay, a comiseração profunda de Linda e uma tentativa de se manter frio de Richard. Todos os intérpretes estão incríveis, mas, de todos, destaco o trabalho de Ann Dowd, que chega a ser excepcional, pelo qual a atriz foi indicada aos prêmios BAFTA (2022) e Critics’ Choice Award (2022), ambos na categoria de Melhor Atriz Coadjuvante. A obra é uma das mais impactantes narrativas sobre a dor do luto e a culpa que eu me lembro de ter visto. Gostei demais, recomendo, mas já vou avisando que a gente termina o filme completamente exausto.

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