Filme do dia (280/2021) - "O Preço da Solidão", de Paul Newman, 1972 - Após ser abandonada pelo marido - que viria a falecer pouco tempo depois -, Beatrice Hunsdorfer (Joanne Woodward) vê-se desempregada e solitária, tendo de cuidar das duas filhas adolescentes, Ruth (Roberta Wallach) e Matilda (Nell Potts). Entre devaneios e rompantes, Beatrice busca uma forma de lidar com a situação.
Baseado na peça teatral homônima, de Paul Zindel, a qual foi agraciada pelo Prêmio Pulitzer, o filme é um retrato doloroso e amargo acerca da vida de uma mulher viúva, de meia idade e desempregada, sem qualquer perspectiva real de sair daquela condição. Alternando devaneios irreais com a lucidez crua de quem se sabe sem esperança, Beatrice carrega consigo a amargura de quem teve seus sonhos extirpados pela vida, não restando nada além de lembranças de tempos remotos, quando o futuro parecia promissor e encorajador. Infantilizada, Beatrice culpa todos pelo seu fracasso, destilando um ódio contido por tudo o que a cerca, não poupando sequer as filhas, que sofrem com a inconstância e mágoas da mãe. A obra é sublime no mesmo tanto que é sofrida. Beatrice é a imagem do desalento, e, ainda que faça planos mirabolantes, no seu íntimo sabe que eles só existem para passar seu tempo. A maternidade, para Beatrice, é quase uma cruz, e ela não perde uma chance de expor isso. A narrativa é linear, com ritmo lento, preguiçoso. A atmosfera é de desespero, temos uma tristeza profunda que acompanha todas as personagens, ainda que seja mais evidente na filha caçula, Matilda, uma jovem tímida e constrangida, mas que não guarda mágoas inúteis. Muito embora seja uma obra em que o texto seja brilhante e essencial, e atice nosso racional, o filme mostra-se, também, bastante sensorial - ele me afetou profundamente no nível das emoções e, quando de seu desfecho, quase terminei em lágrimas. Formalmente, eu diria que é um filme convencional, mas econômico. É uma obra contida, que não excede em nada - a fotografia é a suficiente para transmitir o que o diretor quer, mas sem maiores malabarismos; da mesma forma, a música é sempre diegética (ela existe na realidade ficcional) e a edição de som também é econômica - são inúmeras as cenas quase silenciosas, trazendo uma crueza sofrida para a história. O elenco quase se limita à protagonista e às filhas. Joanne Woodward está excepcional como a desgostosa e impulsiva Beatrice - esta é uma personagem complexa, cheia de altos e baixos, mas com uma incrível capacidade de ser cruel e magoar as pessoas próximas, papel que rendeu o prêmio de Melhor Atriz em Cannes para Woodward; Roberta Wallach interpreta a filha mais velha, Ruth, dando vida à adolescente rebelde e cheia de hormônios. A atriz está também muito bem no papel e eu destacaria a cena em que ela claramente se emociona com a apresentação da irmã Matilda na Feira de Ciências, ainda que tudo seja bastante sutil; mas quem me conquistou foi a jovem Nell Potts no papel de Matilda - gente, como essa atriz conseguiu ter aquele olhar, um olhar que engole o espectador e que traz uma tristeza ancestral, muito embora ela não verta uma lágrima sequer na cena mais dolorosa da história. Sinceramente? Poucos foram os filmes que me tocaram tão intensamente como esse. Mas vou avisando que é pesado, emocionalmente pesado, mesmo sem ter nenhuma grande tragédia no decorrer da narrativa. Destaque para a cena da Feira de Ciências, desde seu início até o desfecho do filme - o que é aquele final? Que isso... Eu AMEI o filme, terminei destruída e emocionadíssima. Recomendo sem titubear!!!! PS1- O talento era de família, não? Paul Newman, que concorreu à Palma de Ouro pelo filme, era casado com Joanne Woodward, que ganhou o prêmio de Melhor Atriz no mesmo festival, e pai da pequena Nell Potts, que arrasou como Matilda! Só sucesso!!! PS2 - Outro título horroroso, possivelmente pela dificuldade de traduzir o original - "The Effect of Gamma Rays on Man-in-the-Moon Marigolds", algo como 'O Efeito dos Raios Gama nas Margaridas 'Homem na Lua'".
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