“O Quarto ao Lado”, de Pedro Almodóvar, 2024

Filme do dia (149/2024) – “O Quarto ao Lado”, de Pedro Almodóvar, 2024 – Ingrid (Julianne Moore) é uma escritora que retoma contato com Martha (Tilda Swinton), uma amiga da qual estava afastada há longa data. Ocorre que Martha está gravemente doente e faz a Ingrid um pedido desconcertante e penoso.

Neste delicado, mas contundente, filme, Almodóvar discorre sobre um tema difícil e doloroso: a morte. Através da relação das amigas Ingrid e Martha – esta última, desenganada -, o diretor reflete sobre a doença, o sofrimento físico, o que nos prende a este plano espiritual, a eutanásia, as memórias, os afetos e, finalmente, a finitude e como lidamos com ela, seja a proximidade de nosso própria morte, seja a de pessoas queridas. Sem resvalar para o drama ou o caricato, o filme traz um olhar sereno, quase acolhedor, sobre a questão, despindo-a do sofrimento extremo com a qual usualmente é tratada. Na história, Martha encontra-se gravemente enferma. Não obstante a dor física que sofre, o que mais angustia Martha é tornar-se uma sombra de si própria, definhando dia-a-dia e perdendo sua autonomia e capacidade cognitiva. Ela reflete sobre o assunto e conclui que o calvário que a aguarda é infinitamente pior do que a morte em si – e opta, conscientemente, por abreviar esse processo. Martha, decidida sobre a questão, busca entes queridos que aceitem a missão de acompanhá-la nos seus últimos dias, o que é negado pelas pessoas mais próximas, mas aceito, com certa resistência, por Ingrid. Durante alguns dias, as amigas convivem entre si, revirando lembranças, fazendo confissões, admitindo erros e culpas e, também, passando bons momentos, uma na companhia da outra. A obra, assim, também abraça outros temas, como a compreensão, o acolhimento, a escuta desprovida de julgamento ou censura e, em última análise, a amizade e o amor em sua ampla acepção. A narrativa é linear, com algumas cenas em flashback, em um ritmo lento e respeitoso, como o assunto exige. A atmosfera é de certo pesar, mas infinitamente menos desconfortável do que se poderia imaginar diante do tema – na realidade, todo o assunto é tratado com muita dignidade, reflexão e sensatez. A dinâmica entre as personagens é perfeita: Martha sente a necessidade de relatar questões internas, assumir suas culpas e relembrar seu passado e Ingrid entende esse momento e a acolhe nas suas necessidades. O desenvolvimento da narrativa é suave, não existe nenhuma ansiedade em se chegar logo ao ponto nevrálgico da história, não há atropelos, assim como praticamente não há muitas ações – trata-se de um momento de reflexão e introspecção, e Almodóvar retrata isso com total serenidade. Aqui e ali temos alguns alívios cômicos – não que o espectador irá gargalhar, mas serão momentos em que o público sorrirá e se sentirá mais leve diante de todo esses assuntos complexos e pesados.  O filme ainda faz uma homenagem ao cinema, com a menção ou reprodução de diversas obras cinematográficas. Cabe salientar o trabalho de Julianne Moore e Tilda Swinton: enquanto a primeira traz uma interpretação discreta, fundada no respeito da personagem Ingrid pela dor e decisão da amiga, a última consegue imprimir uma profundidade impressionante à personagem Martha, que surge como uma força da natureza, a despeito da fragilidade física com a qual se apresenta. Ah, e claro, não podemos esquecer da dimensão camaleônica de Tilda Swinton, mais uma vez posta à prova! O diretor, por fim, toca no assunto na finitude do planeta e da nossa espécie através do personagem Damian, vivido por John Turturro, ótimo no papel. Na minha opinião, a obra dialoga bastante, apesar do antagonismo no tratamento do tema, com o filme “Gritos e Sussurros” (1972). O filme foi agraciado com o Leão de Ouro no Festival de Veneza (2024), merecidamente. Este é um filme delicado sobre um assunto que costuma sensibilizar muito os espectadores, mas tratado de uma maneira bem pouco “latina” rs. Eu gostei demais e recomendo. Em cartaz nos cinemas.