Filme do dia (95/2024) – “O Quarto Poder”, de Costa-Gavras, 1997 – O decadente jornalista Max Brackett (Dustin Hoffman) está realizando uma desinteressante matéria sobre um museu, quando, subitamente, o ex-funcionário do museu Sam Baily (John Travolta) chega ao local e exige falar com a diretora. Muito embora a única intenção de Sam fosse ser recontratado, ele acaba se envolvendo numa delicada situação ao fazer a diretora e um grupo de crianças reféns. Max, por sua vez, vê, no episódio, uma chance para alavancar novamente sua carreira.
O diretor Costa-Gavras é conhecido por fazer obras contendo severas críticas políticas, econômicas e sociais a pessoas, países, instituições ou à sociedade em geral. Aqui, ele foca seu olhar impiedoso à mídia, fazendo uma denúncia não apenas à falta de ética no jornalismo, mas, também, ao poder de manipulação que a mídia possui. Na história acompanhamos o jornalista Max, o qual caiu em desgraça após ter desavenças com um poderoso âncora televisivo. Certo dia, durante uma aborrecida matéria sobre um pequeno museu no interior dos EUA, Max se depara com a grande chance de voltar aos holofotes, quando Sam, um ex-segurança, invade o local, armado, e exige falar com a diretora do museu, no intuito de ser recontratado. Sem ter essa intenção, Sam acaba prendendo, dentro do museu, um grupo de crianças, que, logo, tornam-se “reféns” graças à divulgação do ocorrido na mídia por Max. Estando todo um circo armado, Sam rapidamente torna-se, de trabalhador desesperado, um criminoso perigoso. Ao longo da narrativa, Costa-Gavras expõe como a mídia em geral, e o jornalismo em particular, têm o poder de criar situações, alterando o significado de ações e coisas e manipulando a opinião pública. Em busca por furos jornalísticos, qualquer ética cai por terra, não apenas quanto aos objetos retratados pelos repórteres, mas, também, quanto aos seus próprios pares. Segundo a obra, não existem inocentes no âmbito da Comunicação – todos são, em maior ou menor grau, antiéticos e manipuladores, sejam âncoras respeitados, sejam estagiários deslumbrados. É bem interessante ver como o diretor expõe o poder da imagem e do discurso – simplesmente uma “coisa”, vira outra, apenas com uma diferente inflexão de voz, um diferente ângulo de cena ou pelo uso de um vocábulo diverso (a velha história da mídia chamar de “jovens” ou “traficantes” quem foi pego com droga, dependendo da classe social e cor da pele dos autores do fato). O diretor mostra, na prática, o que é a semiótica e como se dá a interpretação dos signos, isto é, como a linguagem e a imagem são lidos dependendo da forma como são colocados – na minha opinião, a semiótica deveria ser ensinada na escola, de forma que as pessoas percebessem as intenções por detrás de escolhas de termos, frases ou imagens. Em tempos de fake news, o tema da obra é essencial. Há um diálogo bastante forte entre essa obra e os filmes “A Montanha dos Sete Abutres” (1951), “Rede de Intrigas” (1976), “Rede de Ódio” (2020), todos sensacionais. No filme, ainda, sobra crítica ao poder público na forma da polícia e órgãos de investigação, notadamente ao FBI, todos retratados como incompetentes e irresponsáveis. Formalmente, a obra é convencional e segue a linguagem hollywoodiana mais comum, sem grandes ousadias de forma ou estética. O elenco, por sua vez, não poderia ser melhor: no papel de Max Brackett, o sempre ótimo Dustin Hoffman – o ator dá vida a um personagem que, muito embora busque reconhecimento ao seu trabalho e seja tão manipulador quanto seus colegas, ainda possui um mínimo fio de compaixão, empatia pelo próximo e ética; como Sam Bailey, John Travolta – gostei bastante do trabalho dele, principalmente pelo fato de o personagem ir mostrando seu desgaste físico e emocional ao logo do tempo; Alan Alda interpreta o personagem Kevin Hollander – quem acha que Max não tem ética, não viu ainda o personagem Hollander em ação -, numa ótima participação; a estagiária Laurie é interpretada por Mia Kirshner – apesar de gostar do trabalho da atriz, achei que a personagem teve uma reviravolta um pouco rápida demais; e, como Lou Potts, o veterano Robert Prosky, num trabalho bem sólido. O filme é excepcional – como tudo do diretor – e tece críticas muito pertinentes ao jornalismo e à mídia. Gostei demais, acho que deveria fazer parte do currículo de qualquer estudante de comunicação social. Recomendo fortemente. Para variar, não está disponível em streaming, só em mídia física ou torrent.
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