Filme do dia (165/2021) - "O Reflexo do Mal", de Philip Ridley, 1990 - Interior dos EUA, década de 50. Seth (Jeremy Cooper) é um menino de oito anos que passa os dias a fazer travessuras com os amigos e a ajudar seu pai em um posto de combustível abandonado no meio de uma área rural. A vítima preferencial dos meninos é Dolphin (Lindsay Duncan), uma moça inglesa que mora solitária em uma grande casa vizinha. O desaparecimento de um dos amigos de Seth, aliado à estranheza de Dolphin, fazem com que o menino acredite que a moça é uma vampira e aumente o assédio das crianças à jovem.
Tratado como um filme de terror, a obra, para mim, ajusta-se melhor como um drama com toques de thriller, pois o pretenso terror, aqui, refere-se à perda de inocência do menino Seth frente à realidade violenta e cruel da vida. Não temos nada de sobrenatural ou fantástico no filme - ao contrário, ele é bastante realista - e, tampouco, a violência contida na história chega a ser excessiva a ponto de lembrar filmes slasher. Acompanhamos a narrativa sob a ótica do personagem Seth que vai, pouco a pouco, perdendo suas referências afetivas decorrente da morte de pessoas próximas, aproximando sua existência de um verdadeiro pesadelo. O retorno de seu irmão Cameron do exército, onde participava de testes nucleares em ilhas do Pacífico, dão novo alento a Seth - apenas para descobrir que Cameron tem outros interesses que não o irmão caçula. O filme traz várias questões implícitas, mais ou menos discretas, como a homossexualidade reprimida pelo pai e os efeitos de radiação no irmão Cameron (que a história não menciona, mas que, no fundo, sabemos estar condenado, ao afirmar estar perdendo peso e cabelo e ter gengivas sangrando). Nesse panorama, Seth é, pouco a pouco, arrancado de sua infância e jogado no desesperançoso mundo adulto. A narrativa é linear e o ritmo bastante moderado. A atmosfera é melancólica a maior parte do tempo, ligeiramente onírica e muito niilista - não há o mínimo sinal de que alguma coisa vá melhorar para o garoto, pelo contrário, ante ao futuro que se acena para Cameron. A obra traz, por fim, uma forte crítica ao ser humano - um ser humano que mata crianças, seja na área rural dos EUA ou nas ilhas do Pacífico (o nome original do filme - "The Reflecting Skin", ou seja, "A Pele que Reflete" - refere-se ao episódio de uma fotografia que Cameron mostra para Seth e que contém a imagem de uma bebê oriental ferido, provavelmente uma vítima das bombas de Hiroshima e Nagasaki, cuja a pele, segundo a narrativa do ex-soldado, refletia como espelho, a demonstrar que o horror nuclear é ponto nevrálgico da história). Visualmente o filme é esplendoroso, com inúmeras imagens de campos de trigo de um amarelo vibrante, de cores saturadas e muito contrastadas. A música cantada por Dolphin e mencionada por Cameron - "You Are My Sunshine" - encontra-se tão propositalmente deslocada na história que soa como uma ironia, inclusive por estar relacionada com as explosões atômicas relatadas por Cameron, e apenas reforçam o niilismo da narrativa. O elenco é encabeçado por um muito jovem e pouco experiente Viggo Mortensen como Cameron - o ator ainda não mostrava todo o talento que viria a desenvolver com o tempo; o menino Seth é interpretado pelo ator mirim Jeremy Cooper, que se sai bastante bem ao longo da narrativa (com exceção da última cena em que, na minha opinião, faltou emoção real); Lindsay Duncan interpreta Dolphin e causa certa estranheza pelo seu visual, sua pele extremamente branca, seus cabelos muito loiro, ela realmente parece fantasmagórica, o que combina com sua história no filme; Duncan Fraser interpreta o pai dos irmãos e Sheila Moore, a mãe; Robert Koons interpreta o xerife local, numa interpretação para lá de canhestra e medonha. O filme é bem interessante, só não entendo o que faz em um box do "Obras-Primas do Terror" do selo Versátil - para mim esse não é o gênero da obra. Bom filme, vale a visita.
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