Filme do dia (84/2024) – “O Sal da Terra”, de Herbert J. Biberman, 1954 – Estado do Novo México, EUA. Após terem seus pleitos repetidamente negados pela direção da empresa, mineradores de origem mexicana, trabalhadores da empresa “Delaware Zinc”, dão início a uma greve geral. A resposta à greve chega rapidamente e, diante da proibição de os mineradores se manifestarem, as esposas dos trabalhadores assumem seus lugares.

Inspirado em uma greve real ocorrida em 1951, no Condado de Grant, Novo México, financiado pelo Sindicato Internacional de Trabalhadores de Minas, Moinhos e Fundições e proibido nos EUA por pelo menos 10 anos, o filme traz um surpreendente relato sobre o movimento sindical em território estadunidense. A obra retrata um pouco dos desmandos dos empresários, das negativas às negociações pela empresa em questão, das discussões nas assembleias do sindicato, da decisão pela greve e da rápida resposta da empresa, que aciona seus contatos políticos para impedir a greve e calar os trabalhadores. Ainda que discorra muito sobre o movimento sindical e as manifestações grevistas, o filme não se limita a essas questões, estendendo sua discussão à luta contra a xenofobia – uma vez que haveria franca diferença entre o tratamento dispensado aos trabalhadores de origem mexicana e aos de origem anglo-saxônica, os últimos claramente privilegiados em relação aos primeiros – e à promoção de igualdade entre os gêneros – ainda que, em momento algum, mencione-se os termos “feminismo” ou “patriarcado”, a obra tem um evidente viés feminista, apresentando situações onde mulheres e homens encontram-se em completa igualdade de atuação e a prevalência de homens sobre mulheres é profundamente criticada. Evidente que, diante do “conjunto da obra”, o filme foi considerado intensamente subversivo pelo governo dos EUA, lembrando que, nessa época, estávamos em pleno Macarthismo e havia uma verdadeira “caça às bruxas” em Hollywood atrás de simpatizantes do comunismo. Reza a lenda que o diretor Herbert J. Biberman, o qual fora preso por seis meses por supostas ligações com o Partido Comunista dos EUA, ainda não banido do país, quis dar, ao menos, uma razão para a perseguição que estava sofrendo, bem no estilo “faz a fama e deita na cama”. Certo é que o filme foi proibido nos EUA, sendo, por outro lado, elogiado pelos críticos europeus, não apenas por sua crítica social, mas, também pelo aspecto formal da obra, fortemente influenciado pelo neorrealismo italiano. Muito embora o filme mostre-se um pouco ingênuo e romântico demais em algumas colocações, é inegável que trouxe uma discussão sobre sociedade e economia jamais vista no cinema estadunidense, o que o torna único e de suma importância histórica. A narrativa, feita quase inteiramente do ponto de vista da personagem Esperanza, esposa de um dos mineradores, é linear, em ritmo marcado e constante. A atmosfera é de angústia, tensão, mas, também, de esperança, graças a algumas conquistas, principalmente das mulheres da história. Como já mencionado, o filme remete ao neorrealismo italiano, não apenas pela crítica social, mas por questões relacionadas à produção – como o uso de locações reais e a participação de pessoas da comunidade retratada como intérpretes não profissionais – e à forma – como a fotografia P&B bem contrastada, legando tensão e intensidade à narrativa, muitas cenas externas e discurso de conteúdo social inflamado. Quanto às interpretações, poucos foram os atores profissionais envolvidos. Obviamente, o personagens representando poderio econômico, político ou policial foram interpretados por atores, como Will Geer como xerife, David Bauer como capataz e Mervin Williams como o empresário. Quanto aos trabalhadores e suas esposas, todos foram interpretados por moradores do Condado de Grant, que reviveram suas vidas e lutas na tela de cinema. A única exceção foi a atriz Rosaura Revueltas, que interpretou Esperanza – até porque sua carga dramática era MUITO intensa, impossível para uma intérprete sem experiência. Cabe dizer que Rosaura Revueltas fez um trabalho incrível, muito poderoso, muito intenso, fiquei extasiada com sua performance. Vale a pena destacar, ainda, o trabalho de Juan Chacón como Ramón Quintero, marido de Esperanza – ele, na realidade, era um diretor sindical no Condado de Grant e saiu-se incrivelmente bem no papel. Eu gostei DEMAIS do filme, não apenas por suas temáticas, que me agradam de sobremaneira, mas porque tem um roteiro sólido, muito bem construído e uma estética marcante (e eu sou fanzaça de neorrealismo italiano, no qual a obra se espelha). Recomendo fortemente. Existe legendado no Youtube e parece que também no AppleTV.
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