Filme do dia (41/2022) - "O Som da Montanha", de Mikio Naruse, 1954 - O gentil patriarca de uma família, Sr. Ogata (So Yamamura), percebe, com desgosto, que seu núcleo familiar, aos poucos, se despedaça, por conta do tratamento dispensado por seu filho Shuuichi (Ken Uehara) à sua nora Kikuko (Setsuko Hara), a quem o idoso tanto admira. Sem saber como agir, ele apenas observa, sem qualquer intercedência.
Baseado no livro homônimo de Yasunari Kawabata, o filme discorre sobre a sociedade japonesa na década de 50, e, mais especificamente, sobre as relações familiares, com foco no relacionamento amoroso dos casais. Através da narrativa é possível perceber o poder do patriarcado sobre as mulheres japonesas, assim como a condição feminina naquela sociedade, reconhecidamente mais submissas e conformadas que as mulheres ocidentais da mesma época. Confesso que cheguei a me irritar com o tratamento dispensado pelo personagem Shuuichi à esposa Kikuko. Também me incomodei pela passividade da jovem mulher e pela falta de iniciativa do patriarca que, mesmo observando a conduta nada respeitosa do filho, assume uma postura neutra diante daquela relação abusiva sob seu próprio teto. O filme é uma aula de patriarcado, machismo e submissão feminina - até que alguns personagens chegam ao seu limite (sem spoilers). A obra tem um tom de melodrama, pois há certo exagero em alguns acontecimentos e o diretor faz uso de alguns subterfúgios para "tocar" o espectador (como o uso de música melancólica ou de planos mais próximos para evidenciar as expressões dos personagens), mas com certa discrição e bem mais elegância do que Hollywood costuma fazer. A narrativa é linear, no tradicional ritmo lento oriental (que difere muito da lentidão ocidental, diga-se de passagem). A atmosfera me passou certa opressão e um tanto de angústia, em especial porque desenvolvi enorme simpatia pela personagem Kikuko. A fotografia P&B suave do filme prioriza os planos médios, mantendo sempre certa "distância" dos personagens, exceto quando intenciona destacar uma reação ou expressão. A música suave incidental acompanha toda a obra, música esta completamente distanciada das sonoridades típicas japonesas (a trilha sonora poderia ser usada em qualquer filme ocidental que não causaria qualquer estranheza). O elenco é encabeçado pela musa do diretor Yasujiro Ozu, a diva Setsuko Hara - como tantas outras personagens da atriz, sua Kikuko é sempre doce e gentil, mas, no fundo, guarda certa "personalidade", a qual não permite ser totalmente silenciada; no papel de Sr. Ohara, So Yamamura, o qual transmite muita correção e uma indignação silenciosa ao personagem; o detestável Shuuchi é interpretado pelo sempre ótimo Ken Uehara, ator recorrente dos filmes de Naruse. A obra é um retrato bastante contundente na sociedade japonesa na década de 50. Bom filme. Recomendo.
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