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hikafigueiredo

“O Tatuado”, de Peter Bogdanovich, 1979

Filme do dia (61/2024) – “O Tatuado”, de Peter Bogdanovich, 1979 –Jack Flowers (Ben Gazzara) é um ítalo-estadunidense que vive na cidade de Singapura e, por trás da fachada de um trabalho regular, ganha a vida como cafetão. Seu sonho é abrir um prostíbulo no local, mas é desaconselhado pelos locais. Devido ao seu trabalho de fachada, ele conhece William Leigh (Denholm Elliott), um contador inglês, extremamente correto e fiel à esposa, tornando-se amigos.





Ai ai. Como definir esse filme... Certamente é uma obra provocativa, uma das características do cinema da Nova Hollywood, mas completamente esvaziada de qualquer crítica social, o que me causou certo estranhamento dentro daquilo que vinha encontrando nas demais obras do movimento. Sinto certa dificuldade em definir o filme, basicamente por ele lidar com uma temática excessivamente masculina, apoiada num imaginário de “homem rústico e viril” para mim um tanto quanto ultrapassado e esbarrar em questões hoje em dia bastante controversas. A narrativa foca no personagem Jack Flowers, um homem insensível, “durão”, mas “boa-praça”, simpático, que trabalha como cafetão nas ruas e bordéis de Singapura. Acompanhamos seu cotidiano, arregimentando clientes ocidentais para as prostitutas locais, no mais puro turismo sexual possível. Um dia ele conhece o contador William, um homem de meia idade todo correto e fiel à esposa e, à despeito de suas diferenças intransponíveis, tornam-se amigos. As visitas de William à cidade são pontuais e por poucos dias, mas a amizade perdura ao longo de alguns anos, até que um incidente aconteça e afaste os amigos, trazendo alguma mudança (leve) no comportamento de Jack, que comprova ter (alguns) princípios. O roteiro é bom, bem-feito e amarrado, tem o toque autoral de Peter Bogdanovich, mexe com uma temática tabu para a época – o sexo – e é ousado nas cenas de nus frontais masculinos e femininos (também para a época, porque para hoje seria até inocente). Mas, o filme “me pegou” e desceu meio quadrado. A primeira coisa que me incomodou foi a profunda objetificação feminina que o filme retrata – nenhuma mulher na obra não é prostituta ou cafetina, parece que as mulheres só existem em função dos homens e para seu prazer sexual. E não há, ali, um tom de crítica àquilo, tudo é muito normalizado e envolto em certo glamour. Jack Flowers transita neste meio, envolve-se eventualmente com alguma das prostitutas, mas não desenvolve qualquer apego a elas, são tratadas como bife no açougue. O filme também retrata demais aquela relação de homoafetividade exclusivamente masculina – os homens se apegam emocionalmente aos outros homens, jamais às mulheres, que são totalmente excluídas de qualquer relação que não seja voltada ao sexo. Também senti a questão da xenofobia, bem marcante na obra – as mulheres singapurenses são todas prostitutas ou cafetinas, os homens são criminosos ou meio abobados e servis aos estrangeiros ocidentais. O fato de a produção do filme ter enganado as autoridades de Singapura para filmar em locações reais oferecendo um roteiro diferente, que não expunha o real teor da obra, só comprova que a visão ali imposta é realmente a do homem ocidental, um total desrespeito ao país e à sua população. Okay, talvez eu esteja sendo meio crítica, esperando algo que não competiria ao um filme sobre o submundo sexual do sudeste asiático, mas eu não consigo me despir da minha visão feminina e consciente sobre a temática, sorry... O filme tem um formato versátil, com muitos movimentos de câmera, que acompanham o protagonista sempre em trânsito pela cidade. Claro que as locações reais são exóticas e chamam a atenção, e isso, ao menos para mim, foi bastante interessante – aqueles mercados repletos de gente, os hotéis e bordéis da cidade, foi um belo trabalho de desenho de produção. O elenco trouxe Ben Gazzara num ótimo trabalho, ele dá total credibilidade ao personagem (por mais que eu tenho tido profunda antipatia pelo protagonista), mas confesso que gostei mais do trabalho sutil de Denholm Elliott como o pacato e simples contador inglês, cuja interpretação, inclusive, rendeu-lhe uma indicação ao Prêmio BAFTA (1980) de Melhor Ator Coadjuvante. O filme é bom? É, mas para quem curte essa temática. Eu, pessoalmente, não gosto, motivo pelo qual não posso dizer que o filme me agradou, mas entendo tratar-se de um gosto pessoal. Segundo o Justwatch, o filme está disponível em streaming gratuito numa plataforma de nome Plex (nunca nem ouvi falar, em todo caso...).

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