Filme do dia (07/2023) - "O Terceiro Homem", de Carol Reed, 1949 - O escritor norte-americano Holly Martins (Joseph Cotten) é convidado pelo velho amigo Harry Lime (Orson Welles) para um trabalho em Viena. Ao chegar à cidade, no entanto, é informado da morte do amigo. Intrigado pelas circunstâncias misteriosas do falecimento de Harry, Holly resolve investigar por conta própria o ocorrido, envolvendo-se em uma complexa cadeia de acontecimentos.
Considerado, por muitos, um dos principais filmes noir já realizados - muito embora a maior parte da produção do gênero seja norte-americana, sendo, esta, uma produção da Grã-Bretanha -, o filme traz roteiro do escritor Graham Greene e uma direção certeira e esmerada de Carol Reed. A narrativa tem foco no escritor Holly que resolve investigar a morte do amigo Harry por achar a situação de sua morte por demais nebulosa. Enquanto busca respostas, Holly encanta-se por Anna, interpretada por Álida Valli, a ex-namorada de Harry, e bate de frente com o policial Major Calloway, interpretado por Trevor Howard, que tenta alertá-lo sobre o caráter de Harry. Ao longo da narrativa, máscaras cairão e verdades virão à tona, mostrando a Holly quem era, na verdade, o antigo amigo. A obra tem méritos inegáveis. O primeiro está no retrato fiel da cidade de Viena, destruída após a Segunda Guerra e tomada pelo comércio irregular de quase tudo. A obra aproveita locações reais, mostrando os escombros da capital austríaca, o que lega ao filme uma atmosfera bastante palpável de estupefação e desânimo, uma sensação de total ausência de perspectivas, empurrando uma parcela gigantesca daquela população para pequenas ou grandes contravenções, em especial ligadas ao comércio paralelo e ilegal de produtos os mais variados. Neste panorama, passamos a descobrir questões relacionadas a Harry e observamos a surpresa do protagonista Holly ao descobrir a real natureza do antigo amigo. Outro mérito está na direção minuciosa de Reed, que consegue trazer à obra o suspense sólido do roteiro, capaz de envolver profundamente o espectador. Aliás, impossível não destacar a qualidade do roteiro que esconde e revela informações na medida certa para instigar o público e criar tensão. Como na maior parte dos filmes noir, a fotografia P&B bem contrastada e, por vezes, enevoada, está presente, numa qualidade um degrau acima do comum - assinada por Robert Krasker, a fotografia do filme é excepcional e tem, como marca registrada, os planos inclinados que causam certo estranhamento no espectador, mas que sugerem um desequilíbrio bem pertinente à narrativa. Por fim, temos um elenco de altíssima qualidade: Joseph Cotten está ótimo como o correto e indignado Holly Martins, decidido a chegar ao fundo da história contada, pela metade, pelas testemunhas presenciais do acidente que vitimou Harry - o ator consegue trazer certa singeleza, certa inocência, ao protagonista que crê piamente no caráter do antigo amigo de infância, ao mesmo tempo em que o nutre de coragem e teimosia para averiguar o que aconteceu de fato; Álida Valli, linda como sempre, interpreta a ex-namorada de Harry, Anna, e faz uma personagem intrigante e envolvente na mesma medida de sua lealdade ao antigo namorado; mas, para mim, quem ganha o filme é Orson Welles, que interpreta Harry Lime - ele não aparece mais do que dez minutos em cena, mas é uma presença tão forte e marcante que é impossível ficar indiferente a ele! Harry é um vilão sedutor e sorridente - como a maior parte dos crápulas - e joga sujo e desleal com todos à sua volta, um canalha daqueles que adoramos detestar e de quem não conseguimos tirar os olhos. Aliás, para mim a melhor cena do filme é justamente a primeira em que Harry aparece - como uma ilusão, em meio às sombras, ele surge com seu mais encantador sorriso, um segundo antes de desaparecer novamente, como por encanto - cena memorável e irretocável!!!! No elenco, ainda, Trevor Howard como o Major Calloway, Bernard Lee como o Sargento Paine, Paul Hörbiger como Karl e Ernst Deutsch como Kurtz. Tenho uma única crítica ao filme - a trilha musical, baseada no som de uma cítara, está completamente deslocada e, muito embora cause um estranhamento que poderia ser útil à narrativa, me soou "alegre" demais para a atmosfera sombria e tensa do filme. Pelo menos para mim, não funcionou de jeito algum e foi incômoda suficiente para chamar a minha atenção à música, eu, que sou surda para cinema... O filme é uma delícia, me deixou inebriada, gostei muito e recomendo!
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