Filme do dia (113/2021) - "O Tigre Branco", de Ramin Bahrani, 2021 - Em um miserável povoado no interior da Índia, o jovem Balram Halwai (Adarsh Gourav) sobrevive sendo explorado por sua avó, matriarca da família. Ele acaba sendo contratado como motorista pelo poderoso que domina seu vilarejo, mudando-se para Nova Délhi para viver junto à família dele. Subserviente no limite, Balram passa a ser motorista de Ashok (Rajkummar Rao), filho caçula da família, e de Pinky (Priyanka Chopra), sua esposa. Mas o sorriso subserviente de Balram esconde um sentimento que está prestes a eclodir.
Quando soube que esse filme era baseado em um best-seller do New York Times, temi pelo pior e achei que ele seria mais um hino ao capitalismo e à meritocracia, bem ao gosto do americano médio. Mas não. Na realidade, a obra é uma crítica ao sistema capitalista, à exploração dos trabalhadores, à elite corrupta e mesquinha e praticamente conclama os trabalhadores a se rebelarem e se soltarem de seus grilhões, seja lá como for. Ainda que dialogue intimamente com o estupendo "Parasita" (2019), o filme é menos poético, bem menos sutil e ainda mais "sanguíneo" que a obra coreana. Aqui, como lá, temos elementos muito parecidos, comuns a qualquer sistema capitalista: elites parasitárias, que pouco ou nada trabalham ou produzem, exploração dos trabalhadores, um paternalismo falso que desmorona na primeira necessidade, e uma mágoa que se acumula no interior daqueles trabalhadores que entendem seu lugar naquele mundo. Neste sentido, a obra é fantástica: o espectador sente o ódio que, aos poucos, vai se somando no interior do personagem Balram - sua solicitude esconde seu profundo desprezo por seus empregadores que o exploram, humilham e o tratam a pontapés. Aliás, nesse aspecto, não sei o que é pior - a gentileza falsa, arrogante e condescendente dos patrões de "Parasita" ou a grosseria explícita dos empregadores de 'O Tigre Branco". O "sangue nos olhos" de Balram evidencia que algo irá acontecer em algum momento. A narrativa é não-linear, alternando diferentes momentos do personagem. O ritmo é bem marcado e crescente. A atmosfera começa com certa leveza e torna-se, pouco a pouco, mais pesada, quase claustrofóbica. Nos quesitos técnicos, destaque para a montagem bem construída. No elenco, Adarsh Gourav interpreta Balram - é impossível não gostar do personagem e não se solidarizar com sua situação de exploração extrema, ainda que, nem sempre ele aja com ética; aliás, um grande mérito do filme é que ele não faz de Balram um ser exemplar e perfeito, ele é humano e cheio de defeitos e contradições - e Adarsh Gourav está ótimo no papel; Rajkummar Rao interpreta Ashok, o mimado caçula da família; dos empregadores de Balram, ele é quem o trata melhor... mas não se engane, o personagem é gentil e humano até a página dois ou até onde lhe convier; Priyanka Chopra interpreta Pinky, a esposa de Ashok. Criada nos EUA e originária de uma casta inferior à de seu marido, Pinky é a mais humana e autêntica da família, mas acaba sendo convencida a agir de forma tão ignóbil e leviana quanto os demais familiares de Ashok (sem spoilers... veja o filme e você entenderá). O filme me prendeu do começo ao fim e eu gostei demais dele. Vale a pena e está bem facinho de ver na Netflix.
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