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hikafigueiredo

"Os Boas-Vidas", de Federico Fellini, 1953

Filme do dia (354/2021) - "Os Boas-Vidas", de Federico Fellini, 1953 - Em uma pequena cidade litorânea, um grupo de jovens amigos leva a vida na farra, sem preocupações ou responsabilidades. Um deles, Fausto (Franco Fabrizi), após engravidar Sandra (Leonora Ruffo), irmã de Moraldo (Franco Interlenghi), é obrigado pelo pai a casar com a moça - o que não o impedirá de continuar sua vida de boemia.





Terceiro longa-metragem do diretor Federico Fellini, esta pretensa comédia dramática - digo pretensa porque não vejo qualquer situação cômica na história, mas talvez isso advenha da minha personalidade, que não vê graça em irresponsabilidade - retrata uma certa parcela da juventude italiana no pós-guerra, momento em que a sociedade italiana vivia um "rebote" após os sonhos de grandeza de Mussolini e se encontrava sem rumo, sonhos ou perspectivas. Pois é nessa circunstância que surgem os "boas-vidas", jovens de famílias abastadas, despreocupados com o futuro, sem objetivos, decididos a viver o presente no melhor estilo "carpe diem" e cuja boemia e vagabundagem os caracterizavam. Irresponsáveis, envolviam-se despreocupadamente com as moças do lugar, abandonando-as assim que surgia algum problema ou se outra jovem lhes chamasse a atenção. Como se vê ainda hoje no meio dos bem-nascidos, estes jovens egoístas e autocentrados eram incapazes de olhar para o lado, perceber o outro e promover qualquer empatia. Impossível não destacar - todos do gênero masculino, claro, pois às mulheres desde sempre se cobrou responsabilidade e compostura. Mas, é claro, a vida desocupada também tinha suas consequências: por baixo da alegria histérica e efêmera, os rapazes - ou, ao menos, alguns deles - percebiam o profundo vazio de suas vidas, a sensação de inutilidade e a total ausência de perspectivas, tornando um pouco menos doce suas existências de farras e aventuras. O personagem que melhor retrata isso é Moraldo, que demonstra sua angústia e vergonha ao conhecer um garoto de seus onze, doze anos, funcionário da estação de trem, que já assumia suas responsabilidades apesar da pouca idade. A história acompanha o cotidiano frívolo do grupo, com algum destaque para Fausto, o mais bom vivant deles, justamente o que "formou família", ao engravidar e ser obrigado a casar com Sandra. O roteiro, de autoria de Fellini e Ennio Flaiano, é bem estruturado, desenvolve bem seus personagens, e não cai na bobagem de "fechar" a história com um desfecho romântico, moralista e irreal - ao contrário, opta por deixar por conta do espectador o que o futuro traria para aqueles jovens. O filme, inclusive, foi indicado ao Oscar (1958) na categoria de Melhor Roteiro Original. Diferentemente dos filmes posteriores do diretor, aqui não temos as figuras tipicamente "fellinianas" - personagens que marcavam por serem extravagantes, polêmicos ou meramente "esquisitos"; aqui todos os personagens são tangíveis, quase familiares - quem não conhece ou conheceu um "boa-vida"na vida? A obra é linear, em ritmo moderado, mas agradável. A atmosfera pode parecer leve num primeiro momento, mas é possível perceber certa angústia na história, um gosto amargo lá no finzinho. O filme traz uma fotografia P&B suave, pouco contrastada, priorizando os matizes de cinza. Ainda que o diretor tenha priorizado uma linguagem mais convencional, aqui e ali há cenas que apostam numa postura mais autoral, com pontos de vista diferenciados ou planos mais criativos, como, por exemplo, a cena em que Sandra desmaia (este trecho da cena é filmado em primeiro-plano do ponto de vista da moça que está prestes a desfalecer) ou na cena em que Moraldo está na estação de trem e imagina seus amigos dormindo (a cena dá a ideia do trem passando pelos quartos, num movimento de câmera que causa certa estranheza). A trilha sonora é de Nino Rota, que voltaria a trabalhar com o diretor no futuro. O elenco traz Alberto Sordi como Alberto, Franco Interlenghi como Moraldo, Franco Fabrizi como Fausto, Leopoldo Trieste como Leopoldo, Jean Brochard como Francesco, Riccardo Fellini como Ricardo e Leonora Russo como Sandra. Todos estão muito bem, mas o destaque fica por conta de Franco Fabrizi como Fausto e Franco Interlenghi como Moraldo, já que acabam sendo os personagens centrais. A obra recebeu o Leão de Prata (Melhor Direção) no Festival de Veneza (1953) e chegou a ser indicado ao Leão de Ouro (Melhor Filme) naquele mesmo ano. Apesar de não figurar entre os meus filmes prediletos do diretor - quais sejam, "A Estrada da Vida" (1954), "Noites de Cabíria" (1957), "8 1/2" (1963) e "Amarcord" (1973) - a obra já evidencia os dotes de Fellini, tanto na criação de histórias quanto na direção em si. É um ótimo filme, vale muito a visita! Recomendo!

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