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hikafigueiredo

“Os Vivos e Os Mortos”, de John Huston, 1987

Filme do dia (125/2023) – “Os Vivos e Os Mortos”, de John Huston, 1987 – Dublin, Irlanda, 1904. Durante a celebração do Dia de Reis, um grupo de pessoas, na sua maioria parentes entre si, encontra-se para um jantar comemorativo, no qual as mais recônditas memórias virão à tona.





Na última obra de John Huston, baseada em um conto do livro “Os Dublinenses”, de James Joyce, temos uma delicada preleção sobre a vida e seu ocaso. Na história, um grupo de familiares e amigos se encontra para comemorar o Dia de Reis em um tradicional jantar. Conversas amigáveis e cálidas se desenrolam ao longo do jantar – em comum, a saudosa lembrança do passado, de pessoas que já se foram, de hábitos que já não existem, de acontecimentos que já se perderam no tempo. O evento todo parece existir tão somente para que os convidados exerçam sua nostalgia e revivam, de alguma forma, experiências do passado. Lógico que isso traz, a reboque, uma certa tristeza que se esconde por trás de sorrisos e conversas ligeiras, uma melancolia tão vívida quanto dolorosa. Inafastáveis, ainda, certas considerações filosóficas que naturalmente afloram: quem se apega ferrenhamente ao passado está aproveitando a vida que lhe resta ou é tão somente um morto em vida? As memórias sólidas que permanecem têm o condão de manterem, de certa forma, vivas aquelas pessoas que já se foram? Qual é o exato limite entre a vida e a morte e quão sutil é a fronteira entre elas? Há, na história, uma determinada situação – sem spoilers! – em que um personagem percebe que um suposto rival, já falecido, jamais esteve realmente morto nas lembranças de sua amada. Essa percepção acende dúvidas neste personagem quanto ao seu papel na relação e se ele não sempre esteve natimorto dentro deste relacionamento. A obra propicia questionamentos filosóficos múltiplos e diversos e acaba por nos encher da mesma melancolia que assoma os convidados. A narrativa é linear – o passado está presente nas lembranças e nas palavras, mas jamais alcança as imagens. O ritmo é muito, muito lento, remetendo-nos à vagarosa passagem de tempo de uma longa vida. A atmosfera é de quase pesar – ainda que a intenção seja festiva e, à primeira vista, sobrem sorrisos e mesuras, o que se descortina é uma pesada saudade do que já se foi. O desenho de produção de época é impecável e naturalmente melancólico, assim como a fotografia em aconchegantes tons quentes. A própria musicalidade do filme é antiga, tudo remete ao passado. O elenco é encabeçado por Anjelica Huston como Gretta Conroy, num trabalho sutil e delicado: sua Gretta tem algo de inefável, principalmente se a olharmos com os olhos de seu marido Gabriel, para quem Gretta é mais que uma pessoa, ela é um ideal. Como Gabriel Conroy temos Donal McCann, numa interpretação igualmente marcante e minuciosa – o olhar de Gabriel para Gretta é de admiração e amor profundo, impossível ficar indiferente àquele olhar!!! No elenco, ainda, Helena Carroll, Cathleen Delany, Ingrid Craigie, Donal Donnelly, dentre outros. A obra foi indicada ao Oscar (1988) de Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Figurino, mas não saiu premiada. O filme é lindo, de uma delicadeza surreal, mas muito, muito perturbador. Todo aquele teatro feliz da comemoração e a percepção clara do que há por trás das risadas é incômodo e, de certa forma, doído. Se lembrarmos que este foi o último filme do diretor, percebemos que ele é um testamento, uma divagação de Huston sobre a vida e seu próprio fim próximo. Ai, é bem doloroso... mas é um grande filme para quem curte a pegada de filme filosófico. Recomendo.

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