“Pai Mãe Irmã Irmão”, de Jim Jarmusch, 2025
- hikafigueiredo
- há 14 minutos
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Filme do dia (122/2025) – “Pai Mãe Irmã Irmão”, de Jim Jarmusch, 2025 – em três histórias blocadas, temos as diferentes interações familiares descritas no título: a visita de um casal de filhos ao pai supostamente na miséria; a visita de duas filhas à mãe, uma escritora já idosa; a visita de um casal de gêmeos à antiga casa de seus recém-falecidos pais.

Nesta comédia dramática encontrei muito mais melancolia do que propriamente humor. Retratando relações truncadas, desajeitadas e apoiadas numa certa exigência social – com exceção do bloco do casal de gêmeos, onde o afeto é evidente e genuíno -, as histórias trazem um grande distanciamento entre os personagens. Na primeira história, temos um casal de filhos que visita o pai que, supostamente, está passando por dificuldades. Ao longo do trecho, percebemos que o pai quer é se aproveitar da ingenuidade e bondade do filho, montando uma farsa para convencê-lo das suas necessidades, enquanto o filho não hesita em ajudá-lo. Na segunda história, temos duas filhas que visitam a mãe idosa. Nesta passagem, temos os familiares claramente se obrigando a ir ao chá da tarde anual por mera convenção social e não por desejo legítimo de encontrarem-se – inclusive a mãe, que, antes do encontro, sente a necessidade de fazer uma consulta telefônica com sua terapeuta para conter sua ansiedade em ter de ver as filhas. Neste trecho, todas as personagens contam mentiras para satisfazerem umas às outras, num claro exercício de autopromoção. Na terceira história, um casal de irmãos visita a casa dos pais recém-falecidos e rememoram as relações familiares. Nesta última passagem, o amor que une os gêmeos é patente e esse afeto é constantemente exposto através de gestos e palavras. Pequenos detalhes ligam as três histórias – a presença dos jovens skatistas, o diálogo sobre a água, os brindes inusuais com chá ou café, o relógio Rolex. Ainda que seja uma obra sensível e que trate de temas universais, vi, ali, uma leitura bastante pessoal do diretor, não conseguindo me conectar tão bem assim com aquelas realidades. O filme traz o silêncio comum nas obras de Jarmusch, mas, diferente de outras situações, que instigam certas sensações e reflexões, aqui o silêncio me causou só desconforto (pode ser algo muito pessoal meu, mas eu tenho pânico de longos silêncios em ocasiões sociais entre desconhecidos e, pelo menos nas duas primeiras histórias, é isso que temos em cena, pessoas desconhecidas entre si). Achei os dois primeiros retratos de relações familiares muito triste e cruel, relações baseadas em fingimento e uma incrível vontade de terminar logo aquele contato. Ainda que não tenha tido uma família de propaganda de margarina, não me vejo naquelas histórias. Por outro lado, gostei muito da estética do filme – como, por exemplo, os planos em plongée absoluto das mesas de chá e café, lindos, assim como o plano em que a câmera gira na casa dos pais dos gêmeos. O desenho de produção é belo e sofisticadíssimo, com certeza por exigência ou, ao menos, por orientação, da produção Saint Laurent (nem sabia da existência dessa comunhão entre cinema e alta costura). O elenco, cheio de nomes famosos, traz o músico Tom Waits, velho colaborador do diretor, como o pai malandro; Adam Driver (que trabalhou com o diretor no delicado “Paterson”, 2016) interpreta o filho Jeff e Mayim Bialik a filha Emily; a diva Charlotte Rampling interpreta a mãe; Cate Blanchett a filha mais velha, Timothea, e Vicky Krieps, a caçula Lilith; por fim, Indya Moore e Luka Sabbat interpretam os gêmeos. O filme tem o mérito de apresentar, com muita sensibilidade, as diferentes relações familiares, mas fiquei muito melancólica com o que vi na obra, o que me incomodou um pouco. O filme foi agraciado com o Leão de Ouro no Festival Cinema de Veneza (2025). Trigésimo sétimo filme visto na 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.



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