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  • hikafigueiredo

"Paris, Texas", de Wim Wenders, 1984

Filme do dia (90/2018) - "Paris, Texas", de Wim Wenders, 1984. Em meio ao deserto de Mojave, um homem caminha solitário. Ao cair desfalecido em um bar, tal homem é levado a um médico que consegue localizar seu irmão Walt (Dean Stockwell). Tem-se, assim, o início da retomada de Travis (Harry Dean Stanton), que, silenciosamente, tenta lembrar seu passado e recomeçar sua vida.





Eu, via de regra, lamento ter uma memória de peixinho dourado e esquecer em muito pouco tempo os filmes a que assisti. Mas tenho de admitir que existe uma certa vantagem nesse fato - a de poder assistir a verdadeiras obras-primas duas ou três vezes como se fosse a primeira vez, aproveitando, de novo, um prazer já esquecido. Foi o que aconteceu nessa revisita a "Paris,Texas". Vi a obra lá pelos anos 90, lembro-me de que gostei muito, mas o filme havia se perdido completamente nos meandros da memória. Rever o filme foi extremamente prazeroso, apesar da carga emocional que a obra carrega consigo (lembrando que eu ADORO essas histórias densas, carregadas de emoções). Escrita por Sam Shepard, a história é um road-movie sobre o reencontro, a retomada e a recuperação - de si mesmo e do outro. O personagem Travis estava completamente perdido - não apenas fisicamente, mas emocional e psicologicamente. Para proteger-se do sofrimento, Travis esquecera quem era, seu passado e seus entes queridos e, tal qual acontecia no âmbito físico, ele vagava, como um fantasma, pelo terreno do afeto. O reencontro com seu irmão Walt acaba por despertar Travis de um longo sonho, trazendo-o de volta para a realidade e obrigando-o a enfrentar seus medos, suas dores e seus erros. Talvez o argumento nem seja assim tãããõ original, mas, a forma como se dá a (re)construção de Travis e de sua história é excepcional. A narrativa é lenta, suave, sutil, cada mínima peça é cuidadosamente colocada e encaixada no complexo quebra-cabeça emocional que se estabelece. Travis deixou para trás um filho pequeno. Travis deixou para trás uma esposa jovem por quem era verdadeiramente apaixonado. Sua retomada abarca esses fatores - como se aproximar do filho? Como reconquistá-lo? Como explicar seu desaparecimento por quatro anos??? O que fazer com a avalanche de afeto que se cria a partir dos reencontros necessários??? E o que fazer quando uma barreira é definitiva e o reencontro não é possível (uma das cenas finais, talvez a mais bela e importante da obra, consegue materializar a barreira emocional e psicológica existente entre dois personagens, a cena é brilhante). É evidente, considerando o argumento, que o ritmo da narrativa é extremamente lento e repleto de longos e significativos silêncios - o espectador mais afoito pode se incomodar com a lentidão. O filme é visualmente muito bonito e há profunda sintonia entre a imagem e os estados psicológicos dos personagens. A trilha sonora marcada por um violão de corda de aço com uma pegada de blues é "chorosa", melancólica, capta muito bem a alma da história. Quanto às interpretações, ora, Harry Dean Stanton dispensa apresentações, o homem era um monstro, ator excepcional. Apesar de ficar relativamente pouco em cena, a lindíssima Nastassja Kinski imprime muita delicadeza à sua personagem Jane. O filme é perfeito, irretocável e recebeu, muito merecidamente, a Palma de Ouro em Cannes em 1984. Obrigatório para quem gosta de cinema de verdade.

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