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“Pequenos Assassinatos”, de Alan Arkin, 1971

hikafigueiredo

Filme do dia (153/2024) – “Pequenos Assassinatos”, de Alan Arkin, 1971 – Anos 70, Nova York, EUA. Alfred Chamberlain (Elliott Gould) é um fotógrafo niilista e desmotivado que conhece Patsy Newquist (Marcia Rodd), uma designer de interiores otimista e animada. Eles começam um relacionamento, muito embora Alfred seja incapaz de sentir qualquer emoção. Enquanto Patsy esforça-se para mudar a visão de mundo do amado, a cidade de Nova York vive momentos de tensão devido a uma série de assassinatos aleatórios e inexplicáveis.




 

Baseado numa peça de teatro homônima, de Jules Feiffer, o qual se inspirou numa série de assassinatos políticos ocorridos no final da década de 1960/começo da década de 1970, o filme é uma crítica à sociedade americana escorada no mais brutal humor ácido que se tem notícia. Trazendo uma comicidade politicamente incorreta e de gosto duvidoso, a obra retrata uma sociedade doente, que, por mais que o caos esteja instalado e que a realidade seja insuportável, continua com uma autoestima inabalável, sem questionar nada e com o otimismo “a todo vapor”. Na história, a sociedade americana é representada por Patsy e sua família disfuncional, mas extremamente alegre e motivada. Alfred, por sua vez, é uma metáfora para o questionamento, o ceticismo e o senso de realidade num momento em que líderes políticos eram assassinados, a Guerra do Vietnã ceifava milhares de vidas de ambos os lados do conflito e qualquer otimismo era descabido. O humor ácido, a ironia e o deboche apoiam-se, principalmente, nestas representações levadas ao extremo – Patsy é motivada demais, alegre demais, comunicativa demais, independente do que ocorre ao seu redor; Alfred, ao contrário, incapaz de sentir, mostra-se impassível aos acontecimentos e sem nenhuma disposição para tomar qualquer atitude, de forma a seguir por pura inércia. Não vou dizer que é um filme fácil – ele, certamente, vai de encontro às nossas convicções e facilmente ofende nossa crença no ser humano... e, pior, arranca risos disso. A narrativa é linear, em um ritmo inicial moderado, mas que, rapidamente, ganha energia e velocidade. A atmosfera é de surpresa e estupefação – o próprio espectador se pega surpreso de achar graça em acontecimentos dramáticos e que, originalmente, seriam até chocantes. O desenvolvimento da narrativa leva tons surrealistas – os acontecimentos são absurdos, mas muito mais absurdos são os personagens e suas reações a tudo o que acontece ao seu redor. Tenho de dizer que é um filme bem esquisito, viu. Formalmente, a obra é muito mais séria e rígida do que seu conteúdo sinalizaria. Há muitos planos abertos e médios longos com câmera fixa que acompanham ações caóticas e que sugeririam uma edição mais fluída, mas que, justamente pela rigidez formal, oferecem uma seriedade insuspeita à narrativa cheia de humor ácido. Também é uma obra que economiza MUITO na trilha musical, praticamente restrita à cena do parque, já próxima ao desfecho, opção que, mais uma vez, traz severidade à narrativa – em outras palavras, sob a primeira impressão de humor absurdo, existe muita crítica, muita circunspecção e muito conteúdo a ser pensado e repensado. Aliás, o filme traz uma sonoridade bem curiosa, onde muita informação é passada pelo som sem qualquer registro na imagem. Quanto ao elenco, irrepreensível, temos um Elliott Gould aplicado em transmitir ao seu personagem Alfred todo o niilismo possível, bem como uma histeria surpreendente quando da “virada da chave”; Marcia Rodd, por sua vez, interpreta com vigor sua Patsy motivada ao extremo, e, ainda que a personagem pareça um tanto exagerada, sua verborragia e atitude são essenciais para dar sentido à narrativa; Vincent Gardenia e Elizabeth Wilson estão maravilhosos como o casal Newquist, pais de Patsy, e são a verdadeira “alma” do filme. No elenco, ainda, Donald Sutherlan, Lou Jacobi e o próprio diretor Alan Arkin, este último como Tenente Miles Practice. Este é um filme bem diferente, muito imbuído de um certo espírito rebelde e provocativo dos anos 1970 e que vai desagradar tanto quanto agradar – bem no estilo ame ou odeie. Eu até curti, mas é preciso estar de mente bastante aberta. O filme está disponível na íntegra no Youtube (e, claro, em mídia física e torrent).

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