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hikafigueiredo

“Querida Alice”, de Mary Nighy, 2022

Filme do dia (122/2023) – “Querida Alice”, de Mary Nighy, 2022 – Alice (Anna Kendrick) é uma jovem presa em um relacionamento abusivo com Simon (Charlie Carrick). Tentando se desvencilhar da relação por uns dias, Alice viaja com suas amigas Sophie (Wunmi Mosaku) e Tess (Keniehtiio Horn) para a casa de campo da família de Sophie, alegando que irá a uma viagem de trabalho. Mas não será assim tão fácil afastar-se de Simon.





Abordando um tema importante, mas sem chegar ao fundo dele, o filme perde a oportunidade de dissecar as relações abusivas e narcisistas. Foi com certa tristeza que constatei a superficialidade da obra, quando ela tinha um potencial tão grande. No entanto, o filme tem o mérito de apresentar um relacionamento abusivo não tão óbvio, o que, de certa forma, poderia ser uma luz para alguém reconhecer os sinais de que algo não está tão bem em uma relação. Diferentemente de filmes como “Dormindo com o Inimigo” (1991) ou “O Homem Invisível” (2020), onde os relacionamentos abusivos retratados são evidentes, pois chegam aos extremos da ameaça e da agressão física, nesta obra o abuso é sutil, “maquiado” como preocupação e cuidado. Simon não agride Alice fisicamente. Ele não a ameaça – pelo menos não diretamente – e não a ofende com xingamentos pesados. Mas o fato de suas palavras serem menos “duras” e suas ações não violentas, não impedem de serem profundamente perniciosas para sua companheira. Simon faz uso de “métodos” mais capciosos – faz observações desencorajadoras, diminui os feitos ou as capacidades de Alice, a afasta dos amigos, vigia seus passos, seus hábitos e suas redes sociais, faz exigências sexuais, tudo no claro intuito de minar sua autoestima e deixá-la insegura e dependente dele. Os sinais são tão sutis que Alice consegue esconder de todos que sua relação com Simon é tóxica e sufocante, muito embora, no fundo, ela sinta os efeitos do abuso, seja tendo condutas não naturais – como se levantar mais cedo para se maquiar e arrumar o cabelo para o namorado antes que ele acorde -, seja demonstrando sinais de estresse e depressão – como arrancar constantemente tufos de seu próprio cabelo. Essa sutileza do relacionamento tóxico é o maior trunfo da obra, o que não me impede de lamentar o tema não ter sido mais aprofundado. Outro ponto positivo é a importância que foi dada à sororidade e ao companheirismo entre as amigas – achei interessante terem abordado como é necessário o apoio, o suporte externo, para que alguém consiga fazer frente a um relacionamento tóxico, ou seja, sair de um relacionamento abusivo não é simples, não é fácil e exige um trabalho profundo e algum suporte externo, principalmente de outras mulheres, no caso de um relacionamento tóxico entre um homem abusivo e uma mulher fragilizada. Por outro lado, o filme faz opções incompreensíveis – como a história do desaparecimento da moça nos arredores da casa de campo. Não consegui entender qual o intuito de acrescentar isso à narrativa. Criar tensão, talvez? Bom, se era isso, não funcionou minimamente e ainda abriu espaço para condutas completamente sem sentido (como o passeio solitário de Alice na casa abandonada). Em suma, há um desenvolvimento de roteiro truncado e, na minha opinião, um tanto quanto equivocado, apesar da temática pertinente. A narrativa é linear, mas conta com alguns “flashes” de lembranças de Alice, sempre relacionados a Simon e sua toxicidade. O ritmo é lento – tudo demora a acontecer, seja lá o que for. A atmosfera é de sufocamento, aprisionamento e angústia – eu fiquei tocada com a situação da protagonista, enredada como uma mosquinha em uma teia. Quanto às questões técnicas, acho que o destaque fica por conta das interpretações... Anna Kendrick está maravilhosa como a frágil e desgastada Alice. Seu eterno mal-estar e sensação de não pertencimento é palpável, a atriz conseguiu transmitir muitas sensações com sua personagem; Charlie Carrick faz também um bom trabalho – Simons tem lá seu charme, ele passa bem a ideia de lobo em pele de cordeiro. Gostei demais, ainda, do trabalho de Wunmi Mosaku como Sophie – a atriz tem uma força no olhar e na postura física que encorajaria qualquer pessoa! Muito bom trabalho da intérprete. Destaco a cena da “quase relação sexual” entre Alice e Charlie mais para o fim do filme – o desconforto da protagonista é desesperador, deu agonia em ver (e sentir) aquele contato físico tão pouco desejado e, ao mesmo tempo, tão difícil de negar e impedir de acontecer – perfeito! Enfim... um filme com uma temática essencial, promissor, pouco aproveitado, mas que também não pode ser tachado de ruim e dispensável. Tem méritos e deméritos. Recomendo com ressalvas.

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