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hikafigueiredo

“Rio, Zona Norte”, de Nelson Pereira dos Santos, 1957

Filme do dia (16/2024) – “Rio, Zona Norte”, de Nelson Pereira dos Santos, 1957 – O sambista carioca Espírito da Luz Soares (Grande Otelo) cai de um trem lotado na Central do Brasil. Ele é socorrido a um hospital e, enquanto é atendido, relembra de seus últimos dias e de sua luta para ter seu talento musical reconhecido e sendo gravado pela cantora Ângela Maria.




 

Nesse drama dolorido, o diretor Nelson Pereira dos Santos expõe um pouco das agruras dos menos favorecidos, focando em um talentoso compositor de samba que luta para ser reconhecido e, assim, ter suas músicas gravadas por intérpretes de sucesso, como Ângela Maria. Espírito da Luz é um aspirante a artista que, não obstante seu evidente talento para compor sambas, não consegue se colocar no fechado mercado da música. As promessas de ajuda mostram-se sempre falsas e, com frequência, o sambista é ludibriado por aqueles que dizem amigos. Enquanto o sucesso não vem, Espírito toca sua vida humilde em um morro carioca e tudo parece encaminhado para que ele alcance certo sossego, mas, a vida é incerta e, num sopro, tudo se esvai. A obra é sofrida, pois extremamente realista – o caminho de Espírito da Luz, um homem negro, pobre e de pouco estudo é cheio de percalços e violências e sua simplicidade e ingenuidade levam-no a ser presa fácil para todo o tipo de pilantra. Intencionalmente ou não, o diretor expôs a completa falta de oportunidades de um homem negro e pobre, mesmo que ele, pessoalmente, tenha virtudes raras como o talento musical, esbarrando, assim, na questão racial e na falácia da meritocracia – a tempo: Espírito da Luz sofre, sempre, revezes de homens brancos, seja por canalhice ou por mero descaso. O roteiro, do próprio Nelson Pereira dos Santos, é perfeito – a descida ao inferno de Espírito é excepcionalmente bem desenhada, tudo desmoronando como um castelo de cartas. A narrativa é não-linear, alternando o momento do acidente e os dias que o antecederam. O ritmo é moderado e constante. A atmosfera inicia-se otimista, mas, rapidamente, tudo dá uma guinada e passamos a sentir a angústia do protagonista ao ver todos os seus sonhos se desmanchando no ar. Tecnicamente, o filme deixa um pouco a desejar em alguns aspectos, evidentemente por deficiências do cinema nacional naquela época e não por incompetência do diretor ou da equipe (Nelson Pereira dos Santos era um diretor irretocável, não há nem o que dizer). A fotografia P&B muito contrastada cede tensão à história e funciona bem, mas, a parte sonora, por sua vez, é bem inconsistente, com trechos bem pouco audíveis, problemas na edição e raros sons diretos, de qualidade duvidosa. O elenco, por seu lado, traz a interpretação sensível e encantadora de Grande Otelo, um artista completíssimo – há pelos menos duas cenas em que o olhar do personagem diz TUDO, ele não precisa de uma única palavra!!!! Jece Valadão interpreta Maurício, um suposto agente e, para não perder a fama, faz um cafajeste de primeira linha. Paulo Goulart interpreta Moacyr, um músico com algum caráter, mas que também peca contra o protagonista. Malu Maia interpreta Adelaide e Ângela Maria interpreta a si mesma. O compositor Zé Ketti, autor das músicas do filme, interpreta Alaor Costa, um compositor iniciante. O filme é muuuuuito bom, mas, claro, tem um formato mais “antigo” e talvez um público desacostumado estranhe. Em todo caso, vale muito a pena e, quem estranhar, deve dar uma chance à obra, pois ela é grandiosa!!!!

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