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hikafigueiredo

“Seduzida e Abandonada”, de Pietro Germi, 1964

Filme do dia (97/2024) – “Seduzida e Abandonada”, de Pietro Germi, 1964 – Em uma pequena vila da Sicília, Agnese (Stefania Sandrelli), uma adolescente de quinze anos, é seduzida por Peppino (Aldo Puglisi), engravidando. Seu pai Don Vicenzo (Saro Urzi), ao descobrir, decide que precisa salvar a honra da família a qualquer custo.





Este filme consegue expor, como poucos que eu conheça, alguns absurdos relacionados à condição feminina dentro de uma sociedade patriarcal, machista e misógina. Demorei a perceber, inclusive, a crítica que o diretor faz quanto a vários pontos, em decorrência de seu formato de comédia dramática, que, num primeiro momento, eu interpretei como normalização de tais absurdos, mas que, graças a um diálogo de um personagem, entendi como uma crítica irônica a diversas questões. A narrativa acompanha a história de Agnese, uma menina siciliana de quinze anos que é seduzida pelo noivo de sua irmã mais velha e acaba grávida. A notícia de sua gravidez abala o patriarca da família, cuja única preocupação é com a honra da família diante da sociedade. O pai de Agnese, então, arma uma série de estratagemas para fazer com que Peppino, o sedutor, case com a moça sem que a vila descubra que ela não é mais virgem. Bom, já deu para perceber que a história está carregada de dogmas relacionados ao controle dos corpos e vontades femininos, né? Temos um pouco de tudo: culpabilização da vítima, agressão à mulher, situação de submissão feminina, e por aí vai. Mas a cereja do bolo, na minha opinião, se encontra no Código Penal Italiano da época, no qual um estupro era “perdoado” caso o estuprador se casasse com sua vítima (!!!!) Como disse o tal personagem do filme, isso era melhor que qualquer anistia! Bom, vemos, assim, que a mulher era tratada como objeto, sem direito a qualquer voz ou autodeterminação, mera propriedade do “homem da casa”, que poderia ser o pai, um irmão ou o marido. Em momento algum existe a preocupação com o bem-estar ou o sofrimento da personagem Agnese – lembrando que ela era uma menina de meros quinze anos! -, que, pela gravidez indesejada, acaba sendo ameaçada e agredida pelo pai, trancada dentro de casa e obrigada a casar com seu agressor. O comportamento do pai, ainda, em momento algum é rechaçado pela mãe de Agnese – como boa esposa submissa, ela apenas acatava as ordens de seu amo e senhor. Confesso que foi difícil de assistir, principalmente porque demorei a perceber a crítica embutida, pois ela é sutil, muito embora os diversos absurdos retratados. A narrativa é linear, em ritmo ágil. Para mim, o sentimento foi de indignação, apesar de todo o humor empregado. O roteiro, a despeito de todas as questões controversas tratadas, desenvolve-se bem e não deixa arestas. Formalmente, é uma obra bastante convencional, sem grandes destaques técnicos. No elenco, temos Saro Urzi como o patriarca Don Vicenzo – muito embora todas as violências empregadas contra a personagem Agnese, o personagem nem desperta raiva, mas muito mais pena, pois chega a ser patético em seu desespero para defender a “honra” da família; como Agnese temos a linda Stefania Sandrelli – gosto bastante desta atriz, a acho versátil e, aqui, ela oferece um desempenho excelente como a ingênua e desesperada Agnese; no papel de Peppino temos Aldo Puglisi – tenho certeza que o trabalho do ator foi excepcional, porque despertou em mim tal ódio que só poderia ser possível frente a um desempenho muito convincente. Eu diria que é um filme importante pela sua didática, por colocar em imagens e texto coisas que um dia foram aceitáveis (e em alguns países ainda são) e que, hoje, percebe-se serem intoleráveis. Eu me incomodei com ele, mas recomendo muito. Óbvio que não existe em streaming, só em torrent e mídia física.

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