Filme do dia (117/2022) - "Sempre em Frente", de Mike Mills, 2021 - Durante um projeto em que entrevista crianças acerca de sua visão do futuro, o jornalista Johnny (Joaquin Phoenix) é solicitado por sua irmã Viv (Gaby Hoffmann) a cuidar de seu sobrinho de nove anos, Jesse (Woody Norman), surgindo uma surpreendente relação entre ambos.

Essa delicada obra de Mike Mills acompanha o surgimento e desenvolvimento da relação entre os personagens de Johnny e Jesse. Com muita calma, o filme retrata como dois verdadeiros desconhecidos - já que Johnny e Jesse não se viam há pelo menos um ano, por conta de uma discussão entre Viv e seu irmão -, gradativamente vão se conhecendo e se aproximando, criando sólidos laços de afinidade e afeto, muito embora as evidentes diferenças de personalidade entre os envolvidos - enquanto Johnny é um indivíduo calmo e calado, Jesse é um vulcão em erupção, agitando-se muito e falando mais ainda. A narrativa é prioritariamente linear, com uma ou outra cena em flashback. O ritmo é bem lento, não há pressa em estabelecer os vínculos entre tio e sobrinho, a construção dessa relação é feita bem vagarosa e criteriosamente, havendo uma clara disposição de Johnny em compreender as idiossincrasias do sobrinho, um garoto com particularidades únicas e criatividade acima do normal. Como a história revela que o pai de Jesse sofre de uma condição psiquiátrica, acredito que a narrativa acena com a possibilidade de Jesse também sofrer da mesma condição, o que explicaria sua agitação incomum e certa dificuldade em lidar com suas emoções. A obra não conta com um clímax, não há qualquer acontecimento muito fora do comum para que tenhamos esse momento "fora da curva". A atmosfera do filme é acolhedora, confortável, mesmo em momentos de conflito ou de alguma tensão. O diretor optou por uma fotografia P&B muito suave e pouco contrastada, priorizando os tons de cinza, o que colabora com a sensação de conforto. Os planos são, em sua maioria, médios ou próximos, de maneira a criar uma intimidade entre o espectador e os personagens, em especial Johnny. A suavidade da obra conta com a interpretação delicada de Joaquin Phoenix, um ator tão versátil que consegue atingir extremos - seu Johnny é um homem contido, de poucas palavras, que tenta lidar com os 220V de seu sobrinho da melhor forma possível, aprendendo, dia a dia, como entender e conviver com o imaginativo menino. Com uma interpretação de igual excelência temos Woody Norman, o ator-mirim que dá vida a Jesse - eu fiquei cansada só de assistir ao personagem com toda a sua energia e tenho certeza que foi exatamente essa a intenção. No papel de Viv, Gaby Hoffmann, como a mãe cansada e sobrecarregada pela condição psiquiátrica do ex-marido, pessoa por quem sente evidente carinho - apesar da personagem ficar infinitamente menos tempo em cena do Johnny e Jesse, houve a preocupação do diretor em aprofundar as questões relacionadas a Viv, de forma a entendermos seu cansaço e sua sobrecarga. Como Paul, pai de Jesse, Scoot McNairy, com pouquíssimo tempo em cena. O filme é um drama de cotidiano bastante sensível e de emoções sutis, sem grandes dramas ou tragédias envolvendo os personagens, algo raro no cinema norte-americano que, normalmente, curte pesar a mão e as cores nos filmes. Não acho que seja filme para todos - desconfio que muitos espectadores acharão a obra um pouco insossa, justamente pelas sutilezas envolvidas. Eu até gostei, mas acho que os espectadores interessados devem se questionar acerca de sua tolerância a filmes sutis e de pouca ação para não acabarem desancando a obra, coisa que ela não merece. Indico com essa última ressalva.
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