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  • hikafigueiredo

“She Will”, de Charlotte Colbert, 2021

Filme do dia (116/2023) – “She Will”, de Charlotte Colbert, 2021 – Veronica Ghent (Alice Krige), uma célebre e idosa atriz, afasta-se para um retiro isolado em meio às florestas da Escócia para recuperar-se de uma mastectomia dupla na companhia de uma jovem enfermeira, Desi (Kota Eberhardt). No local, lugar onde outrora centenas de mulheres haviam sido incendiadas sob a acusação de bruxaria, ela entra em contato com uma força ancestral e inicia seu processo de cura.





A obra, estreia da diretora Charlotte Colbert na direção de longas, habita o meu nicho predileto do gênero terror – o folk horror. Esse subgênero caracteriza-se por explorar medos ancestrais, relacionados a forças míticas, paganismo, bruxaria, cultos a entidades demoníacas e divindades mitológicas, acontecendo sempre em locais remotos e isolados, seja em meio a florestas ou em minúsculas comunidades rurais. Com raras exceções, tais filmes apostam no terror psicológico, afastando-se dos jumpscare e dos slashers através da criação de uma atmosfera profundamente tensa e assustadora. Via de regra são obras bastante sensoriais, em que o espectador se vê imerso num ambiente opressivo e perturbador, povoado por lendas e mitos com uma aura maligna. “She Will” é um característico filme de folk horror, na medida em que acompanha a ida da protagonista Veronica para um retiro afastado em meio à floresta para curar-se de uma cirurgia especialmente delicada para sua autoestima e feminilidade – uma mastectomia dupla total. Ocorre que, no passado, o local foi marcado pela morte na fogueira de centenas de mulheres acusadas de bruxaria, de forma que “carrega” uma poderosa energia originada pela agonia de tais vítimas da inquisição. Veronica, uma atriz com sensibilidade aflorada e marcada por um terrível trauma na juventude acessa com facilidade essa energia e passa a ter sonhos estranhos e comportamentos igualmente incomuns. O que se segue é uma história com o doce e catártico sabor da vingança, que será o caminho para a cura de todas as dores – físicas e emocionais – da atriz. A narrativa perpassa pela pauta identitária feminista, trabalhando temas como assédio sexual, etarismo, objetificação da mulher, esvaziamento do poder feminino, mazelas do patriarcado, sororidade e acolhimento entre mulheres. Ainda que o filme traga aquela atmosfera assustadora já mencionada, ele evoca questões que eu não considero aterrorizantes, pois baseadas na força ancestral feminina – ao contrário, há algo de “aconchegante” na narrativa, uma solidariedade advinda do sofrimento que todas as mulheres experimentam de uma forma ou de outra, um empoderamento feminino, uma clara sensação de que nós, mulheres, temos uma força interior que nada pode nos tirar, uma união, uma comunhão. Sinto dificuldade em explicar por palavras porque tudo o que eu expus é transmitido de uma forma sensorial – é uma sensação, um sentimento, que se eleva do “ser mulher”, algo muito primitivo que, de repente, eflui no público feminino e que talvez o espectador do gênero masculino não entenda ou alcance. A narrativa é linear, entremeada por sonhos atemporais da protagonista. O ritmo é lento, escoando vagarosamente como a tomada de consciência da personagem Veronica de seu poder interior. A atmosfera, além de perturbadora, é bastante onírica, apostando numa energia mágica que adviria da floresta, da terra e das mulheres vítimas das fogueiras. Tecnicamente, o filme traz uma fotografia esplendorosa, enuviada e fantasmagórica, puxada para os tons cinza-azulados, em especial nas cenas na floresta. A trilha musical é muito bem aproveitada na criação de “climão”, ainda que de forma discreta. Quanto às interpretações, temos uma poderosíssima Alice Krige como a protagonista Veronica – as rugas, as linhas de expressão, o corpo magérrimo, tudo nela emana a descomunal força da personagem e expõe uma beleza que vai muito além da percepção visual. Tenho certeza que a escolha da atriz foi a mais acertada possível. No papel de Desi, Kota Eberhardt – a intérprete transmite a fragilidade da jovem personagem: ela, como Veronica, também tem seus traumas infantis, mas, diferentemente da idosa, não teve ainda tempo para curar suas feridas e descobrir seu poder interior, mostrando-se mais suscetível ao mundo material que ao intangível. Malcom McDowell interpreta o ator Hathbourne e dá vida – para variar – a uma figura nefasta e polêmica; no elenco, ainda, Rupert Everett e John McCrea. Eu adorei o filme, há uma magia nele que me tocou profundamente, mas creio que isso será mais compreendido pelo público feminino, especialmente o de idade mais avançada. Terminou o filme e eu queria ser bruxa rs. Recomendo muito.

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