Filme do dia (130/2023) – “Sob o Olhar do Mar”, de Kei Kumai, 2002 – Japão, século XIX. Em um prostíbulo, um grupo de gueixas convive em harmonia. A gueixa O-shin (Nagiko Tôno) recebe um jovem samurai que foge de alguns perseguidores. Ela o acolhe e protege, simulando uma situação diversa e, assim, livra o rapaz de seus algozes. O samurai, agradecido, passa a visitar O-shin com frequência, dando-lhe esperanças de uma nova vida.
Baseado em uma obra de Shugoro Yamamoto, o roteiro original foi trabalhado por Akira Kurosawa, o qual pretendia transformá-lo em seu próximo filme. A morte do diretor, no entanto, colocou por terra essa intenção. Assume, então, o diretor Kei Kumai, que aproveitou o que Kurosawa já havia escrito para fazer esse belo e poético filme. A história vai acompanhar um pequeno grupo de gueixas que convive em um prostíbulo em uma área demarcada, à beira-mar, para acolher diversos bordéis. Dentre as gueixas está O-shin, uma jovem romântica e cheia de sonhos, conhecida por se apaixonar pelos clientes, e Kikuno, uma mulher misteriosa e com muitas histórias. O foco da narrativa está no cotidiano das moças, na relação de sororidade e acolhimento entre elas e nas suas vivências com os clientes. A ideia de amor romântico e redenção através dele também permeia a narrativa, sendo, talvez, seu elemento mais marcante e contundente. Diferentemente de outros filmes japoneses sobre mulheres que se prostituem, aqui não há um ranço moral, nem o peso do sofrimento – a tragédia, ainda que presente a certa altura, tem menos espaço que o lirismo. A obra, tampouco, lembra o cinema clássico de Kurosawa e seus contemporâneos Mizoguchi e Ozu – o ritmo é bem mais marcado, a câmera é mais livre e movimentada, os planos são mais diversos e criativos e a trilha sonora não segue a musicalidade tradicional japonesa, aproximando-se da música ocidental. A fotografia, belíssima por sinal, aproveita o colorido das roupas das gueixas para saturar os tons, assim como faz uso da luz natural para registrar lindos pores-do sol. O desenho de produção de época é impecável e nos remete a outro tempo. A atmosfera geral do filme é leve, romântica e extremamente poética, o que é elevado à x potência no arco final. As interpretações seguem a tradição japonesa e são mais exageradas e teatrais do que as atuações ocidentais, marcadas pelo naturalismo. O protagonismo feminino da obra é evidente, com destaque para o trabalho de Nagiko Tôno como O-shin, uma personagem doce, delicada e sonhadora, e de Misa Shimizu como a valente, destemida e extremamente leal Kikuno; Hidetaka Yoshioka interpreta o jovem samurai Fusanosuke; Masatoshi Nagase interpreta Ryosuke; e Eiji Okuda, o criminoso yakusa. Ainda que o desfecho seja dramático e triste – fiquei de coração partido -, o filme é lindo, sensível e comovente. Eu gostei bastante e recomendo!
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