Filme do dia (147/2024) – “Tudo que Imaginamos como Luz”, de Payal Capadia, 2024 – Em Mumbai, duas mulheres – Prabha (Kani Kusruti) e Anu (Divya Prabha) – dividem casa e ambiente de trabalho – um hospital onde ambas são enfermeiras – e precisam se adequar à uma realidade árdua e machista, mantendo seus sonhos e convicções.
Neste delicado e intimista retrato da intimidade de duas mulheres indianas, temos um pequeno panorama da realidade feminina naquele país. Cercadas de regras e convenções sociais, no mais das vezes machistas e restritivas, as personagens precisam “encontrar seu lugar”, enquanto enfrentam a dura batalha diária pela sobrevivência material. As personagens Prabha e Anu são enfermeiras em um grande hospital de Mumbai, na Índia. Muito embora sejam financeiramente independentes, ainda que sem luxos, ambas são coibidas em sua liberdade por conta de ditames morais e sociais daquele país. Prabha, mais conservadora, vive a dor de ter sido abandonada por seu marido, o qual viajou para o exterior para estudar, jamais retornou e, tampouco, deu-lhe qualquer satisfação; Anu, por sua vez, uma jovem mais ousada, namora em segredo um rapaz muçulmano, sendo, ela, hindu, e deseja encontrar um local para terem algum momento de intimidade, algo impensável naquela sociedade. Prabha, mais tolhida pelas convenções, alerta Anu acerca de suas ações, julgando-a de certa forma. A narrativa é conduzida de forma a chegar a um desfecho libertador para ambas as personagens, em especial para Prabha, a qual vivenciará uma situação que a levará a romper suas amarras e fará com que consiga acolher melhor sua amiga (sem spoilers). Para mim, o filme é justamente sobre rompimento e libertação e, embora pinte um quadro cinzento sobre a realidade feminina na Índia, acena com possibilidades de enfrentamento (ainda que tímidas) e superação. A narrativa é linear, em ritmo moderado e constante. Eu senti a atmosfera muito opressora e claustrofóbica – a vida daquelas mulheres completamente limitada por regramentos sociais é de uma violência silenciosa impressionante -, mas o desfecho quase catártico quebrou essa sensação e deixou um gostinho de esperança e liberdade. Preciso destacar que a forma encontrada pela diretora para promover a libertação simbólica de Prabha foi bastante criativa e me agradou muito! Destaco, também, a maneira como a diretora estabeleceu as ambientações – de um lado, a cidade de Mumbai, caótica, lotada, opressora; de outro, a pequena cidade praiana para onde as personagens viajam e que oferece um ambiente de paz, aconchego e reflexão (reflexão esta impossível em meio ao ruído de Mumbai). Por fim, gostei bastante do trabalho das atrizes, em especial de Kani Kusruti, que interpreta Prabha – a atriz conseguiu imprimir à personagem toda a mágoa de ter sido deixada para trás, o que reflete em sua postura e em seu olhar e que terá uma modificação após sua “libertação”. Eu gostei bastante da obra e saí dela com um sentimento de fé renovada. O filme foi agraciado com o Grand Prix em Cannes (2024). Recomendo, já avisando que é um filme bastante “feminino”. Assistido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
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