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hikafigueiredo

“Uma Mulher Descasada”, de Paul Mazursky, 1978

Filme do dia (70/2024) –“Uma Mulher Descasada”, de Paul Mazursky, 1978 - Após dezesseis anos de casamento, Erica (Jill Clayburgh) é abandonada pelo marido Martin (Michael Murphy), que a troca por uma mulher mais jovem. Erica, então, inicia uma jornada pelo autoconhecimento, buscando a sua reconstrução e, acima de tudo, a felicidade.





Retornando para o cinema da Nova Hollywood, movimento cinematográfico de vanguarda que marcou os EUA na década de 1970 e devolveu o protagonismo para o cinema autoral, afastando ou, pelo menos, diminuindo consideravelmente a influência dos grandes estúdios, resolvi assistir a este filme, cuja temática claramente feminista chamou a minha atenção. Na história, Erica é casada há dezesseis anos com Martin, possuindo uma filha da relação, Patti, de quinze anos. Apesar da aparente harmonia e da suposta cumplicidade do casal, Erica, subitamente, é surpreendida com a notícia de que Martin está apaixonado por outra mulher, bem mais jovem, com quem anda tendo um caso há mais de um ano. Martin abandona Erica, que se vê em um vórtice de tristeza e solidão e precisa se reencontrar e reerguer. O filme trata de muitos temas de natureza feminina, abordando questões relacionadas ao machismo estrutural e ao empoderamento da mulher. Assim, vemos uma clara mudança em como Erica é tratada pelos homens ao se ver “descasada”: reforçando a homoafetividade masculina – o fato de os homens, com certa frequência, só admirarem e respeitarem outros homens, desprezarem mulheres e as enxergarem como meros objetos sexuais -, Erica vai se deparar com antigos amigos que, ao saberem de sua nova condição de “mulher separada”, avançarão em sua direção como lobos em uma presa, desrespeitando-a como pessoa e como mulher. Lutando contra essa situação, Erica volta-se para si, começa terapia, busca uma autocompreensão e um conhecimento mais aprofundado da natureza feminina e um maior entendimento de seu lugar numa sociedade machista e que tenta calar, a todo tempo, as mulheres. Gostei demais de ver o movimento de retomada da personagem, sua determinação, seu empoderamento, a decisão de não mais viver à sombra de um homem, ao mesmo tempo em que não descartava a possibilidade de ser feliz ao lado de um possível companheiro. Okay, eu até acho que o filme poderia ter aprofundado a questão da solitude, uma vivência só que pode ser positiva e agradável, em contraposição à solidão, vista como algo triste e ruim, mas desconfio que essa discussão ainda não existia naquela época, sendo quase condição para a felicidade ter alguém ao seu lado, principalmente para as mulheres. A obra é bastante rica e, apesar de ter sido dirigida por um homem, consegue tocar em questões femininas sutis, como o protagonismo do homem nas relações, a tentativa de os homens, mesmo os mais legais e apaixonados, de terem suas vontades sobrepostas às das mulheres, a relação com os filhos, separando os papeis de mãe e mulher, dentre outras. É um filme de detalhes, onde sutilezas falam tanto – ou mais – que questões óbvias. Gostei, também, de como é retratada a sororidade – a empatia e solidariedade entre mulheres –, numa época em que essa palavra começava a ser usada pelo movimento feminista. Erica tem, ao seu redor, uma rede de apoio feminina que fará toda a diferença em seu renascimento, assim como sua opção por uma terapeuta mulher. A narrativa é linear, em ritmo pausado, mas constante. Como na maioria dos filmes da Nova Hollywood, não existe um clímax único, perto do fim da história – existe momentos mais ou menos intensos, que formam pequenos clímaces ao longo da obra. A atmosfera passa por um período de certa melancolia, quase uma tristeza, mas, pelo menos para mim, o sentimento que prevaleceu foi de júbilo pelo empoderamento da personagem. O filme traz a estética setentista e, como era comum no movimento, uma maior preocupação com o conteúdo do que com a forma, a qual fica um pouco em segundo plano. Assim, temos uma fotografia meio “desmaiada”, sem cores saturadas e sem contraste, com posicionamentos de câmera pouco criativos ou ousados. A música – que, confesso, detestei – me remeteu aos seriados televisivos estadunidenses daquela época – aliás, a música era muito parecida com a que tocava em “As Panteras” (“Charlies’s Angels” – 1976/1981). Quanto às interpretações, temos um trabalho impecável de Jill Clayburgh como Erica – achei incrível como ela não apelou, em momento algum, para o exagero: sua Erica é contida, sutil, o que não quer dizer que não seja profundamente expressiva e complexa. Como Martin, temos o ator Michael Murphy – bem, mas muito apagado pela presença de Jill – e como Saul, o ator Alan Bates, também num trabalho sólido. O filme, ótimo, concorreu ao Oscar (1979) nas categorias de Melhor Roteiro Original, Melhor Atriz e Melhor Filme; ao Globo de Ouro (1979) nas mesmas categorias e na de Melhor Diretor; e ao BAFTA (1979), na categoria de Melhor Atriz. Jill Clayburgh foi agraciada com o prêmio de Melhor Interpretação Feminina no Festival de Cannes (1978). O filme é incrível, gostei demais! Segundo o Justwatch, a obra não está disponível em streaming (só em torrent ou mídia física, infelizmente).

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