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“Urchin”, de Harris Dickinson, 2025

  • hikafigueiredo
  • há 1 dia
  • 3 min de leitura

Filme do dia (86/2025) – “Urchin”, de Harris Dickinson, 2025 – Mike (Frank Dillane) é um sem-teto que vive nas ruas de Londres de esmolas e pequenos delitos. Certo dia, Mike rouba os bens de um homem que tentava ajudá-lo, não sem antes agredi-lo violentamente. Mike acaba detido, permanecendo meses no cárcere. Após ser solto, Mike tem a chance – ou não – de refazer sua vida.


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O longa-metragem de estreia do diretor Harris Dickinson é o retrato da marginalização e das consequências da pobreza e do vício na vida de alguém. O protagonista Mike vive nas ruas de Londres, sobrevivendo de esmolas e pequenos delitos. Invisível e sem vínculos afetivos, a Mike só resta o alcoolismo e o vício em drogas. Após espancar e roubar um homem que pretendia ajudá-lo, Mike é preso – acontecimento habitual em sua vida -, mas, ao sair da prisão, Mike parece decidido a se reintegrar na sociedade. A obra, pessimista, mostra quão difícil é para aqueles que sempre viveram em privação – seja de bens, seja de afetos – se adaptar a uma sociedade que é notadamente falha em acolher quem está à sua margem. Ao longo de seus 99 minutos acompanhamos Mike nadando contra a corrente e falhando miseravelmente graças às suas próprias dificuldades em ter empatia, aceitar limites e entender-se enquanto ser social. O filme demora um pouco a revelar quem é Mike – por um tempo, o espectador fica em dúvida se o protagonista é fruto de seu meio, sendo tanto vítima quanto algoz, ou se ele é um indivíduo abjeto e essencialmente ruim. Mas, lentamente, entendemos que Mike é, sim, o resultado de um sistema que diuturnamente falha com quem não tem qualquer privilégio. Mike revela que é adotado e não estudou muito, o que demonstra que não teve acesso a afetos legítimos e duradouros ou, tampouco, ao conhecimento. Como um animal acuado, Mike só reage – não sabe lidar com frustrações, não sabe estabelecer vínculos, não tem empatia e não sabe aproveitar as poucas oportunidades que lhe surgem por uma clara inabilidade de relacionamento interpessoal – a Mike nada foi ensinado, senão a reagir com violência para se autopreservar. A narrativa, linear, alterna realidade com visões de Mike que indicam a solidão em que o personagem vive, ensimesmado em suas próprias dores. O ritmo é moderado, alternando momentos mais lentos com outros mais ágeis. A atmosfera geral é de abandono, de falta de perspectiva e angústia – a relação do espectador com Mike é ambígua, pois, ainda que ele tenha ações execráveis, muitas vezes aja com violência e seja incapaz de reconhecer atitudes solidárias, ele desperta comiseração, pois suas condutas nefastas só se voltam contra ele próprio e o jogam em uma espiral de autodestruição. Eu admito que fiquei com o coração partido de ver Mike, como um peixe fora d’água, lutando para “respirar”, mas falhando continuamente. Destaque para a cena da dança, quando Mike tem uma breve epifania de suas próprias atitudes perniciosas e se dá conta do quanto ele foi horrível ao espancar um homem que estava tentando ajudá-lo, assombrando-se de sua própria maldade; destaque, também, para a cena da loja de conveniência, quando Mike expressa frases que demonstram a sua marginalização (“para você não, isso não é para você”). Impossível não destacar, por fim, a interpretação fenomenal de Frank Dillane – ela traz a complexidade do personagem, as muitas camadas de Mike, humanizando-o a despeito de toda sua carga negativa de ações, experiências e respostas. A imagem que melhor representa Mike e sua história é a do cão sofrido que, ao não reconhecer uma atitude acolhedora, morde a mão de quem o alimenta. Destaque negativo: o desfecho, uma metáfora óbvia e piegas acerca da condição do protagonista (mas é só a última cena, não estraga toda a experiência). É um filme razoável, com um grande trabalho de ator – recomendo, mas sem alvoroço. Visto na  49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

 
 
 

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