Filme do dia (84/2018) - "Victoria e Abdul", de Stephen Frears, 2017 - 1887, reinado da rainha Victória. Em Agra, na Índia, o jovem Abdul Karim (Ali Fazal) é escolhido para representar a Índia no Jubileu da rainha (Judi Dench). Conduzido à Inglaterra, ele rapidamente cai nas graças de Victoria e, nos anos seguintes, acaba por assumir uma posição de influência dentre a criadagem real.

Baseado em fatos reais - Abdul Karim realmente existiu e foi um importante e influente criado pessoal da rainha Victória - o filme, por um lado romanceia bastante a relação entre os dois personagens e, por outro, deixa a dúvida de quem era o verdadeiro Abdul. Com relação à primeira questão, é evidente que todas as obras biográficas, quando "traduzidas" para o cinema ganham cores mais vibrantes e têm arestas "desbastadas" para se encaixar melhor na linguagem e agradar o público alvo - e aqui isso não é diferente. Mas, neste filme, sugere-se tal intimidade entre a rainha e seu criado - que, além de criado, era um estrangeiro, negro, muçulmano, em plena época do Império Britânico - que se torna pouco crível aos olhos do espectador mais crítico e compromissado com a realidade. Por mais que a rainha tenha caído de amores pelo rapaz, alguns protocolos certamente jamais foram afastados e o degrau existente entre a rainha do Império Britânico e o criado indiano nunca deve ter deixado de existir. Já no que tange à personalidade e às intenções de Abdul, o filme aponta certa dubiedade - o que, na minha opinião, é louvável, já que não existe resposta objetiva para essa dúvida. Abdul pode ter sido um criado subserviente, um homem humilde deslumbrado com a pompa e o poder, um "escravo da casa" que se julga importante demais por cair nas benesses dos poderosos, aquele que acha que faz parte da nobreza por limpar as botas sujas dos nobres (figurinha suuuuuper comum até os dias de hoje), o velho e bom puxa-saco inocente dos que detêm o poder. Ou Abdul pode ter sido um velhaco, um aproveitador, que, de caso bem pensado, seduziu a rainha com vistas a receber benefícios, um estelionatário emocional que mentiu sobre si e sua família para angariar simpatia real, um grande mau caráter. Quem era Abdul? Nunca saberemos e o filme nem tenta responder. Formalmente, o filme é bem tradicional, a narrativa corre em tempo cronológico, sem grandes percalços. Impossível não destacar a fotografia e a direção de arte, em especial, o figurino vistoso, que certamente encantarão o espectador. Quanto às interpretações, impossível encontrar alguém mais apropriado para o papel que a magnífica Judi Dench - uma rainha interpretando uma rainha!!! Ali Fazal também foi uma ótima escolha, pois sua interpretação "cabe" para qualquer dos "Abduls" retro mencionados - o inocente útil, bajulador do colonizador ou, ainda, o embusteiro hipócrita, egoísta e sagaz. O filme é interessante, não como documento histórico de qualquer espécie, mas como representação romanceada de uma época e de figuras históricas. Vale a visita.
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