Filme do dia (363/2021) - "Vida de Casado", de Mikio Naruse, 1951 - Japão, década de 50. O casal Hatsunosuke (Ken Uehara) e Michiyo (Setsuko Hara) vivem em um bairro humilde de Osaka. Enquanto Hatsunosuke esforça-se no trabalho, Michiyo entedia-se com a vida de dona-de-casa e passa a se questionar se isso é o que ela quer para sua vida.
No melhor estilo cinema do cotidiano, o filme, baseado no romance inacabado de Fumiko Hayashi, retrata um casal em crise em decorrência da frustração da esposa quanto à vida de casada. No pós-guerra, as estruturas familiares e as tradições japonesas começam a se modificar ante à pressão capitalista e as influências ocidentais. As mulheres ganham espaço no mercado de trabalho e o casamento deixa de ser o destino exclusivo das jovens japonesas. Neste panorama, a personagem Michiyo começa a se questionar acerca de sua escolha pelo casamento e pela vida de dona-de-casa e passa a almejar voos mais altos. Muito embora o questionamento seja válido ainda nos nossos dias, devo alertar que o desfecho da obra poderá frustrar e até mesmo irritar uma parcela do público, pois extremamente conservador - o que fazia sentido naquela época, em que a identidade e as tradições japonesas estavam sendo minadas pela influência ocidental, mas que, para os dias de hoje, mostra-se muito deslocado da realidade. O roteiro é bem estruturado e não deixa pontas solta - tudo tem uma função na história. A narrativa é linear, em um ritmo bastante lento. A atmosfera da obra é de leve incômodo, já que o cerne é a personagem Michiyo e sua crise pessoal. Não espere nenhum arroubo ou clímax ao longo da narrativa - como bom cinema do cotidiano oriental, a obra tem um ritmo de rio suave, evolui mantendo sempre um "tom" ameno e a própria personagem central, que traz no peito uma revolução de sentimentos, jamais exterioriza seu alvoroço interior, mantendo-se sempre plácida e equilibrada. No início e no fim da obra, temos uma narração em "off" da personagem Michiyo, dando algumas direções e indicando o desfecho. Como tudo na obra, a fotografia é suave, sem contrastes e a trilha sonora, praticamente imperceptível. A direção de arte traz uma mistura bem realista do tradicionalismo japonês com a presença ocidental - como outros filmes do diretor e da época, quimonos e roupas ocidentais convivem em harmonia, bem como espaços tipicamente nipônicos e aqueles influenciados pelo Ocidente. No elenco, grandes nomes do cinema japonês - no papel de Michiyo, a maravilhosa Setsuko Hara, cuja interpretação baseia-se em sutilezas mínimas; como Hatsunosuke, o excelente Ken Uehara, outro ator sutil, mas com forte presença; a ótima Sugimuro Haruko aparece em uma ponta como mãe de Michiyo; Yukiko Shimazaki interpreta a inconveniente sobrinha Satoko. É um filme delicadíssimo, muito bem conduzido, mas, cá entre nós, com uma mensagem um tanto ultrapassada. Eu gostei demais e recomendo.
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