“Virtuosas”, de Cíntia Domit Bittar, 2025
- hikafigueiredo
 - há 12 minutos
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Filme do dia (125/2025) – “Virtuosas”, de Cíntia Domit Bittar, 2025 – No interior de Florianópolis, a coach cristã Virgínia Heinzel (Bruna Linzmeyer) conduz quatro seguidoras para um retiro em um local afastado para ensiná-las a serem mulheres virtuosas, mas, o que começa como uma mentoria de estilo e comportamento acaba como uma jornada absurda e perigosa.

O filme, que inicia com claro apelo cômico, gradativamente vai agregando tensão até se tornar uma mistura de drama com terror, muitíssimo bem dosado. A história começa com um evento da influenciadora cristã Virgínia Heinzel, no qual ela sorteia três mulheres para uma jornada de três dias sob sua orientação para se tornarem mulheres virtuosas. Dentre as escolhidas, temos Lorena Canollo, a esposa de um deputado federal, mãe de uma bebê pequeno; Bárbara Rossi, uma seguidora entusiasmada; e Germina, uma jovem tímida e retraída. A elas se junta Gorete, uma espécie de auxiliar de Virgínia. Ao longo dos três dias, Virgínia ensina as convidadas a serem esposas e mães dedicadas, donas-de-casa exemplares e submissas aos maridos. Mas, por trás das aparências, interesses escusos são trabalhados e guiam cada passo da influenciadora. A obra, cirúrgica, tece críticas bastante pontuais a inúmeros fenômenos extremamente atuais: a febre das “tradwife”, os “coaches” de comportamento, as mentorias de imagem, a profusão de influencers religiosos que pregam a submissão feminina e os valores “ditos” cristãos, a valorização de uma feminilidade que existe a serviço do homem e da família de modelo tradicional e patriarcal, o fanatismo religioso, a completa ausência de crítica daqueles que seguem cegamente seus ídolos, os “inocentes úteis”, a crença em “fakenews” e qualquer crendice de fundo religioso, os “antivax”. Se, por um lado, temos uma horda de crédulos ingênuos – como as personagens Bárbara e Gorete – e de fanáticos potencialmente perigosos – como a personagem Lorena -, de outro temos os espertalhões que criam personas com forte apelo, lábia impecável, discurso decorado para atingir a massa e imagem condizente ao discurso que, na realidade, são verdadeiros estelionatários da fé e, longe das câmeras, não praticam absolutamente nada daquilo que pregam. E, para completar o show de horror, o perigo latente da aproximação destes verdadeiros bandidos da política, especialmente da extrema direita, cujo discurso coincide com a ladainha propalada por tais “homens e mulheres de fé” (contém ironia). A obra “cutuca” nos detalhes: na localização dos eventos, no nome da personagem influenciadora, na posição quanto às vacinas da esposa do deputado, na hipocrisia da mentora (se eu for mais explícita, ganho um processo). Tudo, no filme é pensado para incomodar a extrema direita vinculada ao fanatismo religioso e, principalmente, mas não só, evangélico. Como eu já falei, o filme é cirúrgico, mas seus méritos não terminam aí. Tecnicamente, o filme é impecável, da fotografia suave e muito clara ao desenho de produção que cria um ambiente de paz, sofisticação e acolhimento (até a página dois). Achei bem pertinente a trilha sonora gospel (claramente debochada). E, completando, não haveria deboche maior do que colocar a maravilhosa Bruna Linzmeyer como a influenciadora cristã que defende o modelo patriarcal e conservador de família e relacionamento, já que a atriz é conhecida pela defesa da comunidade LGBTQIAPN+!!! Ela está M-A-R-A-V-I-L-H-O-S-A, um trabalho incrível! No papel da fanática Lorena, Juliana Lourenção, igualmente ótima! Adorei Sarah Motta como Bárbara, a fã deslumbrada! E, como Germina, Maria Galant, que cumpriu bem seu papel. Para não dizer que o filme não tem nenhum detalhe negativo, acho que o roteiro deu pequenos escorregões na parte final (a fuga da Germina não convenceu), mas nada que prejudique muito o restante da obra. Eu sinceramente adorei. Acredito que dentro em breve estará nos cinemas. Trigésimo oitavo filme visto na (repescagem da) 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.



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