Filme do dia (28/2024) – “Zona de Interesse”, de Jonathan Glazer, 2023 – Durante a Segunda Guerra Mundial, o comandante do campo de concentração de Auschwitz, Rudolf Hoss (Christian Friedel), sua esposa Hedwig (Sandra Hüller) e seus cinco filhos, viveram em uma mansão contígua ao campo de extermínio, vivendo calmamente uma existência bucólica e feliz.
Esse chocante filme, para o horror de quem não é desprovido de alma, baseia-se na história real do criador e diretor do campo de concentração de Auschwitz. Durante anos, Rudolf Hoss e sua família viveram nas cercanias do campo de concentração onde milhões de pessoas – na maioria judeus, mas não apenas – eram mortas e seus corpos incinerados diariamente, vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana. É revoltante saber que, enquanto milhões de pessoas sofriam de fome, frio, maus tratos e eram, enfim, friamente assassinadas em câmaras de gás, do outro lado do muro, a família de Hoss ignorava toda essa violência e vivia, com todo conforto, considerando aquele local o seu “paraíso particular”. A obra é um soco no estômago e faz qualquer um desacreditar no ser humano. É profundamente perturbador observar as imagens da bela, organizada e bucólica residência da família Hoss em primeiro plano, tendo, ao fundo, as chaminés de Auschwitz, despejando no ar, o tempo inteiro, a fumaça preta dos corpos incinerados. O teor das conversas comezinhas da esposa de Rudolf com o marido ou sua mãe é igualmente enojante – diálogos sobre as flores do jardim ou sobre a sorte de viver naquele local dão a tônica e causam ânsia de vômito no espectador. A narrativa é linear, em um ritmo muito pausado. A atmosfera é de horror, angústia e uma tristeza profunda – como alguém pode ser tão...horrível? Como se pôde normalizar algo tão horrendo? A maneira como se deu a desumanização dos judeus (e demais vítimas dos nazistas, como homossexuais, ciganos, doentes, etc) é revoltante e uma via de mão dupla, pois quanto mais se desumanizaram as vítimas, também se desumanizaram os algozes, transformados em verdadeiros monstros. A narrativa é a mais límpida possível, buscando o mínimo de interferência. A fotografia do filme prioriza, nas externas, os planos bem abertos, possibilitando mostrar a casa de jardins floridos dos Hoss em primeiro plano e o campo de Auschwitz, com suas chaminés, ao fundo. O desenho de produção atem-se à residência da família, criando um local aconchegante e extremamente bem cuidado e organizado. O filme é completamente desprovido de qualquer trilha musical – não há música incidental ou diegética -, de forma que a sonoridade do filme é muito crua: enquanto na casa reina o silêncio, o murmurar de diálogos banais ou os ruídos comuns de uma residência (uma porta que abre, sons de pratos e talheres, risos de crianças, etc.), ao longe escutamos todos os horrores do campo de extermínio contíguo – gritos, choros, tiros, cães latindo, máquinas funcionando, sirenes. Essa dissonância é impressionante e chega a angustiar o espectador. Quanto às interpretações, temos o belo trabalho da dupla central Christian Friedel como Rudolf e a maravilhosa Sandra Hüller como Hedwig, esposa de Rudolf – a cena em que ela faz uma “cena” porque não quer abandonar seu paraíso comprova o talento dessa atriz (maravilhosa em “Anatomia de uma Queda”, 2023). O filme trava um diálogo bem interessante com o igualmente ótimo “O Filho de Saul” (2015), por conta da sonoridade “por trás” dos sons principais (a gente escuta muito, mas vê pouco) e, em menor escala, com o melodramático “O Menino do Pijama Listrado” (2008), mais por retratar a família vivendo ao lado do campo de concentração (porque existe quilômetros entre os estilos destes dois filmes). O filme, excepcional, foi indicado para a Palma de Ouro em Cannes (2023), para o Oscar (2024) nas categorias de Melhor Filme, Filme Internacional, Direção, Roteiro Adaptado e Som, Globo de Ouro (2024) de Melhor Filme Estrangeiro, Critics’ Choice Awards (2024), nesta mesma categoria e vários BAFTAs (2024). A obra é, a um só tempo, magnífica e perturbadora, destroçando por completo o espectador. Obrigatório!!!!
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